Título: Repasse pressiona inflação em 2005
Autor: Raquel Salgado e Cynthia Malta
Fonte: Valor Econômico, 29/12/2004, Brasil, p. A4

A inflação do primeiro trimestre de 2005 deve ser realimentada pelo processo de recomposição de margens na indústria, com a continuidade ou até mesmo a intensificação dos repasses do atacado para o varejo. Se ocorrer, esse movimento será somado aos aumentos tradicionais para a época do ano nas escolas, com material e mensalidades, e nos alimentos, que sofrem com as chuvas. Os economistas ouvidos pelo Valor esperam, ainda, nova rodada de reajustes para produtos siderúrgicos, mas nada que se compare aos altos patamares alcançados em 2004. Aço e petróleo, fontes de pressão na inflação deste ano, começam a perder fôlego e não lideram as listas de riscos de 2005. Mesmo com esses movimentos, a inflação mensal, medida pelo IPCA, será declinante ao longo do primeiro semestre. "Eu vejo pressões vindo da indústria de forma generalizada. E o que mais impressiona é que as empresas estão conseguindo repassar aumentos", diz Paulo Rabello de Castro, da GRC Visão. Ele tem constatado, em conversas com clientes, que a indústria vem recuperando margens de lucro e que esse processo começa a chegar no varejo. "Eu continuo achando que teremos um primeiro trimestre razoavelmente aquecido", diz Rabello. No caso do varejo, a pressão em janeiro vem do reajuste de alguns serviços e tarifas como IPVA, seguro e mensalidades. Há ainda uma atenção maior voltada à magnitude dos repasses do atacado para o consumidor final. No Relatório de Inflação do BC, o nível de repasse nos últimos seis meses foi calculado em 33%, quando se compara a alta de produtos industriais no atacado e no grupo de produtos industriais do IPCA. É menor do que o repasse de longo prazo, estimado em 43%. Para o próprio BC, essa diferença cria um "fator de alta pra os próximos meses". Fernando Fenolio, da Rosenberg & Associados, espera aumento do nível de repasse, devido aos sinais dados pelas empresas neste fim de ano. A demanda aquecida levou até mesmo ao cancelamento de férias coletivas. Para o economista, as empresas devem terminar o ano com estoques muitos baixos, o que cria espaço para recomposição de lucros logo no início do ano. No Bradesco, a equipe econômica tem outra visão. Como os dados do comércio varejista apontam vendas abaixo do esperado dos bens duráveis, é possível que as liquidações predominem e minimizem repasses no início do ano. Para o banco, ainda há muito repasse represado, uma vez que os índices de atacado dos últimos meses vieram bastante pressionados. A previsão é de que os repasses persistam por mais seis meses. O que pode mudar essa expectativa é a repetição do desempenho de dezembro do varejo. Um alívio, contudo, pode vir do câmbio. Se o real continuar valorizado, terá efeitos benéficos na inflação, pois bens com componentes importados podem ficar mais baratos. E ainda contribuir para o acirramento da concorrência. O Bradesco ainda espera núcleos rígidos para o IPCA de 2005. O núcleo por médias aparadas com suavização mostra rigidez em um patamar alto. O Bradesco prevê as seguintes taxas, segundo este cálculo: 0,55% em janeiro, 0,50% em fevereiro e 0,58% em março. Já Ricardo Denadai, da LCA Consultores, lembra que o núcleo do IPCA está praticamente parado há alguns meses. "Isso é positivo, pois apesar de estar em um patamar elevado, ele mostra que os repasses do atacado aconteceram, mas foram restritos. A demanda interna não corroborou reajustes significativos". No entanto, a recuperação da massa salarial pode alterar um pouco esse quadro, comenta. O professor Carlos Thadeu Gomes Filho, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), atenta para a mudança no perfil do consumo, que "deve ficar mais concentrado na renda, no consumo formiga", ao invés da compra de duráveis, verificada neste ano. Por um lado, esse movimento é um pouco mais perigoso, uma vez que o peso dos semi e não duráveis no IPCA é maior do que o dos bens duráveis. Por outro, o nível de utilização da capacidade instalada desses setores ainda é muito baixo e comporta aumento de demanda sem grandes pressões de custo. No campo do atacado, "as coisas tendem a melhorar", espera o professor. Ele lembra que antes a pressão maior vinha dos industriais, que pesam mais nos IGPs. Agora, a tendência é que os preços agrícolas mostrem volatilidade e subam. O coordenador de índices da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Salomão Quadros, observa que dois fatores importantes de pressão altista na inflação de 2004 - aço e petróleo - dão sinais de desaceleração. Denadai, da LCA Consultores, também acredita que os preços industriais no atacado devem desacelerar no primeiro trimestre, com o arrefecimento das pressões de custo presentes neste ano: aço, ferro e derivados, borracha, papel e celulose, madeira e petróleo. Ele lembra que em janeiro, haverá uma nova rodada de aumento dos preços do aço. Por outro lado, a cadeia petroquímica terá um mês mais aliviado. "A combinação perversa de reajustes nos dois insumos: petróleo e aço, que ocorreu em 2004, não deverá se repetir nos primeiros meses de 2005". Ele prevê um IPA industrial entre 0,5% e 0,6% no final de março. Se o dólar seguir em R$ 2,7, R$ 2,8, esse índice cai ainda mais, pois os insumos importados ficarão mais baratos. Quadros acredita que os IGPs, índices usados para corrigir tarifas públicas importantes, como telefone, por exemplo, possam começar a cair nos próximos meses. Isso, se confirmado, ajudaria a manter o IPCA, a inflação oficial, mais perto da meta de 5,1% em 2005. Em 2004, devido à indexação das tarifas de luz e telefone ao IGP-DI, o Banco Central calculou que um aumento de 0,9 ponto percentual do IPCA em 2005 já está dado. E, por isso, decidiu levar dois terços deste aumento para a meta de 4,5%, que acabou subindo para 5,1%. A queda dos IGPs, esperada por Quadros, pode aproximar os índices da FGV do IPCA, mas o economista prefere não usar o termo "convergência" por considerá-lo forte demais. Prefere dizer que a tendência de descolamento dos IGPs do IPCA tende a inverter-se. Rabello lembra que o dólar fraco em relação ao real ajuda a aproximar os preços monitorados dos preços livres no IPCA. "Mas isso não quer dizer que estejamos vendo um processo de convergência de longo prazo. Isso pouco tem a ver com a situação de país desenvolvido, de economia estabilizada. O movimento do atacado no Brasil é ainda típico de economia fortemente indexada como a nossa é", avalia o sócio da GRC Visão. O economista da LCA ressalta também que ainda não se passou tempo suficiente para que a inflação seja impactada pela política monetária adotada pelo Banco Central - elevação dos juros a partir de setembro. Segundo o economista, o BC prevê um intervalo de três a seis meses para avaliar os impactos da alta de juros sobre o reajuste dos preços. Ou seja, a partir do começo de 2005 os efeitos dos juros sobre a demanda devem aparecer com maior nitidez.