Título: Livro sobre tortura é lançado sem a presença de militares
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 30/08/2007, Política, p. A8

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva assegurou ontem, durante o lançamento do livro "Direito à Memória e à Verdade", elaborado pela Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos políticos, que a intenção do governo não é criar um clima de revanchismo, mas permitir que "uma página da história brasileira seja virada de vez".

Apesar do tom de conciliação que buscou adotar durante todo o tempo, Lula não soube explicar porque nenhum comandante militar estava presente na solenidade de ontem à tarde, no Palácio do Planalto. E também negou saber de insatisfações nas Forças Armadas com a publicação do livro do governo sobre tortura. "Eu não conversei com os militares. Veio quem foi convidado, eu não sei quem foi", desconversou Lula.

A assessoria de imprensa da Secretaria Especial de Direitos Humanos confirmou que, além do ministro da Defesa, Nelson Jobim, foram convidados os comandantes das três Forças, embora nenhum deles tenha comparecido à solenidade. A assessoria do Exército afirmou que o comandante Enzo Peri estava em missão em Buenos Aires, o que justificaria sua ausência. Os demais comandantes não foram localizados. No início da noite, a assessoria do Ministério da Defesa informou que ficou acertado entre o ministro e os comandantes das três Forças que caberia a ele, Jobim, representar os militares, diante da impossibilidade de os três estarem presentes ao evento.

Durante seu discurso, o mais frio dentre todos os oradores da tarde, Lula ressaltou que o governo vai se empenhar para garantir aos parentes dos familiares "o direito sagrado de enterrar seus mortos". Reconheceu que, quando se é governo, "é muito mais fácil falar as coisas do que colocá-las em prática". Também admitiu "não ser fácil pedir a compreensão das pessoas que estão há tanto tempo esperando uma notícia boa".

O presidente destacou como fundamental "que a História do Brasil seja contada com uma única verdade: aquela verdade que todo mundo sabe que existe, mas que está mal contada". Apesar do discurso oficial, Lula não assegurou a abertura irrestrita dos arquivos da ditadura. "Vamos fazer o que é possível fazer. A coordenadora do processo é a Dilma Rousseff, grande parte já foi para o Arquivo Nacional", disse o presidente.

O ministro da Defesa, Nelson Jobim, classificou o dia de ontem como "um acerto de contas com o futuro do país". Ele chegou a apostar que, todos nós, "fardados ou não, temos um compromisso com o povo brasileiro e com a história do Brasil". Mas alertou para aqueles que teimarem em resistir aos novos tempos. "Não haverá indivíduo que possa a isso reagir. Se houver, terá resposta", afirmou Jobim, representando os militares.

Um dos momentos mais marcantes foi a fala de Euzita Santa Cruz, 94 anos, mãe de Fernando Augusto Santa Cruz, desaparecido em 1974. "O único crime cometido pelo meu filho era querer um país livre e defender a justiça social". Dona Euzita reconheceu que já fraqueja, mas que "pede sempre que me dê coragem para saber o que aconteceu com meu filho". E citou uma poesia sobre a dor de uma mãe que aguardava, em vão, o retorno do filho da guerra do Paraguai. Lula não resistiu e levantou-se para abraçar dona Euzita.

O presidente da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos, afirmou que "o lançamento deste livro fere e machuca mentes e corações, como afirmaria Dom Paulo Evaristo Arns". O secretário Especial dos Direitos Humanos, Paulo Vannucchi, afirmou que os atuais militares, comandantes e subordinados, não podem ser criticados por crimes que não cometeram. "Eles não têm as mãos sujas de sangue". Mas lembrou que rever o passado é uma maneira de garantir paz no futuro. "Não podemos nos esquecer de uma guerra na qual não houve vencedores. Todos perderam", resumiu Vannucchi. (PTL)