Título: ONS quer usar térmicas para poupar água de reservatórios
Autor: Maia, Samantha
Fonte: Valor Econômico, 13/09/2007, Brasil, p. A6

O Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) deve apresentar ao Ministério de Minas e Energia até o fim de novembro uma proposta para colocar em operação as usinas termelétricas antecipadamente. O objetivo é manter um nível mínimo de água nos reservatórios das hidrelétricas, que garanta segurança de abastecimento no ano posterior, mesmo que o país sofra com falta de chuva.

Isso foge da lógica atual, pela qual os geradores de energia são chamados a operar segundo critério econômico, ou seja, os mais baratos primeiro, a chamada ordem de mérito. Segundo a proposta do ONS, anunciada pelo diretor-geral do órgão, Hermes Chipp, mesmo que haja possibilidade de uso das hidrelétricas, que são as fontes mais baratas, caso seja detectado risco de racionamento futuro, as térmicas seriam acionadas para que os reservatórios fossem mantidos num nível mínimo.

Chipp explica que haverá um "nível meta" para indicar o quanto de água tem de haver nos reservatórios a cada fim de período seco para que não haja riscos de desabastecimento no ano seguinte, mesmo em caso de pouca chuva no período úmido. "Assim, a cada ano a gente vai buscando o "nível meta" para reduzir o risco de não atendimento no ano seguinte."

Essa mudança deve afetar o custo da energia, já que as térmicas são mais caras. No entanto, o diretor-geral da ONS diz que esse custo é menor que o de um futuro racionamento. "É preciso pensar de forma completa, e segurança custa", afirma. A forma como esse custo atingirá os preços, no entanto, deve ser definida pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). "Esse custo vai ser ressarcido por meio de regulação econômica. O regulador pode decidir se o custo será diluído no mercado e formar preço, ou se será encarado como encargo do serviço do sistema. A Aneel vai decidir", afirma.

Para o presidente do Instituto Acende Brasil, Claudio Sales, a antecipação da operação das térmicas é medida positiva, pois asseguraria que os níveis máximos que os reservatórios atingem na época de chuva não diminuíssem ao longo dos anos. No entanto, alerta que pode não ser justo o consumidor comum pagar pela alta de preços, caso a Aneel decida repassar o custo ao sistema por meio de encargos. "As distribuidoras já possuem sua energia contratada, quem tem de pagar o custo adicional é quem precisar de energia adicional."

Para os consumidores comerciais, há a preocupação de que todo o custo seja repassado para os preços, segundo Paulo Mayon, diretor-presidente da Associação Nacional dos Consumidores de Energia (Anace), que reúne empresas não-intensivas em energia. "O mercado spot é que vai ser afetado no curto prazo, mas esperamos que o ONS tente não atingir o bolso do consumidor", afirma. Mayon admite, porém, que a segurança do abastecimento ainda é o mais relevante. Caso essa nova metodologia do sistema elétrico seja bem realizada, a tensão entre quem vende e quem compra energia diminuirá e os preços devem se estabilizar. "Afastando o risco de déficit, você mostra para o mercado que os preços estão justos", diz.

O funcionamento das térmicas, porém, esbarra em mais um risco, de desabastecimento de gás. A decisão da ONS tornará ainda importante o cumprimento do termo de compromisso da Petrobras para fornecimento do insumo, que é o mais barato entre os combustíveis.

Outra mudança sinalizada por Chipp é no cálculo do risco de racionamento. O ONS deve apresentar proposta de uma nova metodologia ao Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico, formado pela Aneel, pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), pela Câmara de Comercialização de Energia Elétrica e o ONS. Em vez de considerar apenas a porcentagem de probabilidade de falta de energia futura, o operador identificaria o quanto esse déficit corresponde em carga disponível no sistema, para então avaliar a necessidade de um racionamento.

Segundo o diretor do ONS, ainda não foi estabelecido um índice, mas ele acredita que já é possível considerar um racionamento quando houver indícios de falta de 4% a 5% de carga no sistema, chamado "nível de profundidade". Menos do que isso, seria possível reparar com procedimentos operativos. "O nível de profundidade deve ser maior do que simplesmente haver déficit, porque não se vai fazer um racionamento de 80 MW no Nordeste, equivalente a 1% de déficit, porque você administra isso." O diretor da ONS esteve presente ontem 4º Encontro Nacional dos Agentes do Setor Elétrico (Enase), em São Paulo.