Título: Chávez muda as leis para perpetuar-se no poder
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Fonte: Valor Econômico, 06/11/2007, Opiniao, p. A14

A Venezuela abandona rapidamente os últimos vestígios de democracia e caminha para conformar suas instituições ao autoritarismo e populismo do presidente Hugo Chávez. A enorme incompetência da oposição e o golpismo de parcelas importantes dela deram a Chávez trunfos políticos que usa com habilidade para perpetuar-se no poder. Após sua reeleição, em dezembro do ano passado, o presidente radicalizou seus discursos e acelerou as mudanças rumo ao "socialismo do século XXI". Os pilares formais da democracia receberão talvez seu golpe definitivo no dia 2 de dezembro, quando as propostas de emenda à Constituição de 1999 serão submetidas à consulta popular - e certamente aprovadas.

Chávez poderá reeleger-se indefinidamente se a nova Constituição vingar e cada mandato presidencial será ampliado de seis para sete anos. Essa é a medida mais explícita em benefício direto de Chávez. Se ela abre o caminho das urnas ao poder eterno, as outras propostas tolhem a possibilidade de ação dos que quiserem se opor a esse destino. A divisão político-administrativa, na qual naturalmente se baseia a disputa de poder nacional, ficará submetida à vontade de Chávez, que poderá criar ou eliminar províncias por decreto e, ao mesmo tempo, indicar seus administradores.

O exemplo dado pelas propostas centralizadoras de Chávez foi acolhido com entusiasmo pelos 167 membros do Congresso, composto apenas de chavistas, depois que a oposição, demonstrando a mais completa miopia política, boicotou as eleições legislativas. Às antidemocráticas e continuístas propostas do presidente, os áulicos no parlamento resolveram acrescentar pontos que lhes interessam - medidas de autopreservação, por exemplo. O percentual de eleitores venezuelanos necessários para requerer por intermédio de abaixo-assinado uma emenda constitucional subiu de 15% para 20%. Mais importante, sobe de 20% para 30% a quantidade de assinaturas exigidas para que se possa revogar mandatos de cargos eletivos.

A colaboração do Congresso com Chávez se faz sentir ainda no endurecimento da legislação de exceção, que permitirá a censura à imprensa durante situações de "emergência política" declaradas pelo próprio presidente da República. O estado de exceção não precisará mais de análise pelo Tribunal Supremo de Justiça, poderá ter duração indeterminada e alcança os direitos individuais, ao permitir prisões sem motivação legalmente determinada.

Para passar por quase unanimidade pelo parlamento e ser recebida com aprovação entusiasta pelos venezuelanos, o pacote de Chávez e do Congresso trazem a ampliação da influência dos conselhos comunais, naturalmente controlados por chavistas, a redução da semana de trabalho para 36 horas e a extensão dos benefícios previdenciários aos trabalhadores autônomos. No domingo, para demonstrar que a oposição dos estudantes e de partidos adversários, que tomaram as ruas nos últimos dias, são provenientes de uma minoria, Chávez colocou dezenas de milhares de manifestantes em seu apoio nas ruas de Caracas.

As demonstrações de força e intimidação provenientes do Palácio de Miraflores incluem a corrida armamentista, nutrida, como tudo o mais na Venezuela de hoje, pelos petrodólares. A justificativa de uma ameaça externa, representada pelos EUA, é um misto de paranóia e cálculo político. Armado até os dentes, o que o governo Chávez passa a deter é um enorme poder de dissuasão interno e uma fonte de grande preocupação diplomática para seus vizinhos, a começar pelo Brasil.

A economia venezuelana está superaquecida, com inflação escapando ao controle de um governo que acelerou muito os gastos públicos, mas a preocupação de Chávez nessa área, no que concerne ao pacote, foi abolir qualquer veleidade de uma política monetária do Banco Central, com o agravante exótico de colocar as reservas internacionais diretamente sob o raio de ação da Presidência.

Chávez deu um passo vital para instalar seu poder absoluto na Venezuela. A suposta estratégia brasileira de incluí-lo no Mercosul para moderar seu radicalismo não trouxe qualquer resultado visível. Insistir nisso, quando ele já não respeita sequer as formalidades democráticas, é um erro.