Título: STF julga fidelidade em clima de tensão
Autor: Basile , Juliano
Fonte: Valor Econômico, 01/10/2007, Política, p. A12

Celso de Mello: caso o STF conceda o direito aos partidos, terá de verificar se deve ou não implementar a decisão imediatamente A fidelidade partidária deverá ser julgada, nesta quarta-feira, pelo Supremo Tribunal Federal (STF) sob um clima de tensão.

Os ministros do STF têm travado fortes discussões nos últimos julgamentos e desentendimentos se tornaram comuns.

Na última sessão, quinta-feira, houve um bate-boca entre os ministros Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa por causa de uma ação de repercussão local - uma decisão sobre supostas irregularidades num concurso público em Minas Gerais. Mendes quis rever a decisão tomada um dia antes alegando que faltou quórum qualificado para tomá-la, mas Barbosa, relator da ação, protestou: "Ministro Gilmar, me perdoe a palavra, mas isso é jeitinho. Temos que parar com isso". "Vossa Excelência não pode pensar que pode dar lição de moral aqui", retrucou Mendes.

Já na segunda-feira, durante uma reunião administrativa, o ministro Marco Aurélio Mello não se conformou com a proposta da presidente da Corte, ministra Ellen Gracie, de permitir que advogados protocolem petições pela internet e saiu antes do fim da reunião. A ministra Ellen queria institucionalizar o protocolo eletrônico 24 horas. Mas, Mello disse que faltava previsão legal para tanto e ponderou que a medida causaria um desequilíbrio com relação aos advogados que não dispõe de meios eletrônicos (e que devem seguir o horário de fechamento do protocolo físico do STF, às 19h). Ellen pediu a um técnico que explicasse o funcionamento do sistema, mas Mello se retirou antes das explicações, alegando compromisso em outro local.

Antes destes episódios, o STF foi surpreendido pela divulgação de e-mails entre os ministros Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia durante o julgamento do mensalão, num episódio que constrangeu a Corte. O ministro Eros Grau cogitou processar Lewandowski por causa de um comentário nos e-mails, sugerindo que haveria uma "troca" envolvendo o resultado do julgamento do mensalão e a indicação do ministro Menezes Direito para a Corte. Um dia depois do julgamento, o tribunal foi novamente surpreendido por divulgação de conversa em que Lewandowski dizia que os ministros votaram "com a faca no pescoço", sob pressão da mídia.

O fato é que antes mesmo do julgamento do mensalão, o Supremo chegou a um estágio de excesso de ações em que todas as causas se tornaram importantes. Com isso, há polêmicas em todas as sessões e processos aparentemente simples têm suscitado debates intensos na Corte. Os ministros estão visivelmente cansados, e a sensação é que eles estão super expostos e não têm folga nunca.

Internamente, comenta-se no tribunal que a ministra Ellen Gracie deverá deixar o STF quando encerrar o período na presidência em abril do ano que vem. Seria uma antecipação de sua aposentadoria. Os ministros se aposentam ao completar 70 anos, mas dois se retiraram antes do prazo desde abril do ano passado. Na ocasião, Nelson Jobim deixou a Corte, dez anos antes do prazo, para retomar a sua carreira política. E, em agosto passado, Sepúlveda Pertence antecipou a sua aposentadoria prevista inicialmente para novembro. Se permanecesse continuaria submetido a uma rotina estafante. Os ministros do STF enfrentam duras agendas: têm de receber de chefes de Estado a advogados. Na semana passada, pararam tudo para receber o presidente do Cazaquistão. No início de setembro, veio o presidente de Moçambique e, em agosto, o do Benin.

O número de julgamentos que estava em 100 mil processos por ano, desde 2001, atingiu 93 mil decisões apenas no primeiro semestre de 2007. E a lista de casos a serem concluídos envolve todo o tipo de demanda, desde a forma de calcular o IR das empresas no exterior até o inquérito contra o presidente do Senado, Renan Calheiros. Para piorar, a absolvição de Renan no Senado, logo após o STF transformar os mensaleiros em réus, criou a imagem de que só o Supremo dá uma basta aos desvios dos políticos. Os recursos de parlamentares ao tribunal estão se multiplicando.

O julgamento da fidelidade partidária será realizado neste contexto em que espera-se muito da Corte. Ao todo, 42 deputados trocaram de partido, segundo informações da Câmara dos Deputados, desde as eleições de outubro do ano passado. Os mais prejudicados foram os partidos de oposição, com 25 perdas.

Os ministros deverão analisar os mandados de segurança dos partidos de oposição - PSDB, DEM e PPS - em etapas. Primeiro, o STF decidirá se concede ou não o direito aos partidos de obter de volta os mandatos dos parlamentares que mudaram de legenda. Caso dê este direito, o STF terá de verificar se essa determinação deve ser aplicada desde já, ou se valerá somente para a próxima legislatura.

No plano técnico, o ministro Celso de Mello explicou que, caso o STF conceda o direito aos partidos, terá de verificar se deve ou não implementar a sua decisão imediatamente, "alcançando todos os parlamentares que se hajam transferidos para outros partidos", ou "dar eficácia prospectiva ao julgamento", determinando que somente tenha validade a partir da próxima legislatura.

A tendência inicial era dar o mandato aos partidos, conforme decidiu o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), numa votação moralizadora em março passado. Três ministros do Supremo participaram daquela decisão do TSE, tomada em consulta formulada pelo Democratas. São: Marco Aurélio, Cezar Peluso e Carlos Britto. Marco Aurélio conclui que a fidelidade deve ser considerada tendo em vista a vontade do eleitor. Peluso advertiu que, se o candidato mudou de pensamento, não pode mais representar a agremiação pela qual se elegeu. E Britto considerou que os partidos têm o direito de preservar a vaga, caso haja pedido de cancelamento de filiação do eleito.

Além deles, Celso de Mello e Gilmar Mendes já votaram contra o troca-troca em outros processos. Celso votou que o suplente poderia ficar com o mandato do titular que abandonou o partido, em 1989. Mas, foi vencido pela maioria dos ministros que, na época, manteve o mandato do titular. Gilmar Mendes fez uma defesa enfática da fidelidade partidária, quando o STF julgou a cláusula de barreira, em dezembro do ano passado. A cláusula previa a extinção dos partidos que não atingissem os limites de votos nas eleições para a Câmara dos Deputados. Ao votar a questão, Mendes declarou: "Qual a conseqüência da mudança de legenda? Há um festival de trocas, uma clara violação à vontade do eleitor."

Essas manifestações levaram observadores do STF a computar pelo menos cinco votos a favor da fidelidade. Como são onze ministros, o caso estava sendo dado como praticamente definido, pois faltava apenas mais um pronunciamento pela fidelidade entre seis ministros.

Mas, parecer do procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, divulgado há dez dias, criticou duramente a concessão dos mandatos aos partidos e fez uma nova proposta ao Supremo. Antonio Fernando alertou para o risco de uma "partidocracia" - um regime de partidos -, caso o tribunal venha a adotar a tese e comparou a proposta ao "coronelismo". Enfatizou que os eleitores votam mais nos candidatos do que nos partidos. Por fim, o procurador-geral pediu que, caso os ministros não reconheçam estes riscos e decidam pela concessão dos mandatos aos partidos, que não o façam para esta legislatura. "Se houver a concessão, que seu comando seja aplicável apenas à próxima legislatura", diz a última linha do parecer. O julgamento deverá começar nesta quarta, a partir das 14h.