Título: Economias podem suportar alta gradual do petróleo
Autor: Fritsch, Peter; Evans, Kelly
Fonte: Valor Econômico, 01/10/2007, Empresas, p. B10

A economia mundial tem conseguido, com uma certa indigestão, engolir a alta do petróleo para mais de US$ 80 o barril. Como sobreviveria a US$ 100 por barril? A resposta é: muito bem, contanto que várias condições continuem válidas. A alta provavelmente teria de ser gradual. A inflação não poderia subir tanto que forçasse uma alta dos juros. Países produtores de petróleo precisariam investir nos Estados Unidos e Europa os lucros com a alta.

Tudo isso tem acontecido até agora. A feliz coincidência pode continuar, mas ainda há sérios temores de que a alta dos combustíveis possa levar os EUA para a recessão. Uma série de fatores, entre eles as baixas reservas de petróleo e a queda do dólar, sugerem que ainda há margem para novas altas. Alguns analistas continuam a acreditar que o petróleo esteja destinado a quebrar o recorde, se medido em dólares atuais, de US$ 101 por barril. O recorde foi estabelecido em 1980. Sexta-feira em Nova York, o preço futuro de referência fechou em queda de 1,5%, para US$ 81,66, pouco mais de US$ 2 abaixo do pico histórico sem correção monetária.

O petróleo caro pode ter sérias conseqüências se doer no bolso dos consumidores - especialmente nos EUA, onde o enfraquecimento do mercado imobiliário já está prejudicando a economia. O consumo tem sido o principal motor do crescimento nos EUA nos últimos anos.

A Target foi uma das grandes varejistas americanas a cortar na semana passada suas previsões de vendas para este ano. Ela acha que o faturamento em setembro para lojas abertas há pelo menos um ano subiram só 1,5% a 2,5%, enquanto a expectativa anterior era de 4% a 6%. Apesar de toda preocupação, o mundo está hoje melhor equipado para digerir petróleo caro do que no fim dos anos 70, quando o então presidente Jimmy Carter estava instalando painéis solares e fogão à lenha na Casa Branca.

A principal razão tem a ver com o que alguns chamam de efeito Wal-Mart. Para cada dólar tirado do bolso dos motoristas na bomba de gasolina com a alta de preços dos últimos anos, exportadores de baixo custo da China e outros países puseram cerca de US$ 1,50 na forma de bens mais baratos. Mesmo aos preços de hoje, os domicílios americanos gastam atualmente com gasolina menos de 4% de sua renda disponível, ante 6% em 1980.

Os preços atuais também são um reflexo de uma economia mundial forte, e não de um embargo de petróleo ou uma guerra no Oriente Médio. Desde que uma guerra por fatia de mercado entre a Arábia Saudita e a Venezuela inundou o mercado com petróleo e derrubou os preços para menos de US$ 11 o barril em 1998, o petróleo já subiu quase oito vezes. Durante essa alta, a economia global cresceu cerca de 5% a cada ano.

O forte crescimento em lugares como a China ajuda a suavizar o impacto do preço do petróleo para empresas européias e americanas, como as três montadoras de Detroit. Muitos mercados emergentes estão atingindo um estágio de "decolagem" em que a renda per capita chega a um nível que gera uma séria demanda por automóveis, diz Ellen Hughes-Cromwick, economista-chefe da Ford. O crescimento em mercados emergentes é um "fenômeno estrutural" que é "menos sensível a variações do petróleo", diz ela.

Os economistas acham que o crescimento global vai enfraquecer, mas continuará relativamente saudável a 3% este ano e no próximo. Petróleo mais caro também implica mais dinheiro para que países produtores como a Rússia e a Arábia Saudita invistam globalmente. "Se os detentores de recursos estão agora recebendo uma fatia maior do bolo para gastar e investir, então o petróleo a US$ 100 não será um problema", salvo se houver recessão nos EUA, diz o economista independente de energia Philip Verleger Jr. "E esse investimento está acontecendo."

Visões assim otimistas, embora longe de serem universais, refletem uma mudança fundamental no entendimento que economistas têm da maneira como os preços de combustíveis afetam a economia.

Historicamente, os preços do petróleo dobraram ou triplicaram em questão de semanas por causa de mudanças súbitas e profundas, como nos anos 80 depois da revolução iraniana e o início da guerra Irã-Iraque. Isso levou o Fed, banco central dos EUA, a aumentar bastante os juros para evitar uma espiral inflacionária. O atual presidente do Fed, Ben Bernanke, já passou muito tempo tentando entender esses choques. Sua surpreendente conclusão: o remédio do Fed para a alta do petróleo foi pior que a doença.

"A maioria do impacto de um choque do petróleo sobre a economia real é atribuída à reposta do banco central para as pressões inflacionárias geradas pelo choque", escreveu num artigo acadêmico resultante de seus estudos dos choques de 1973-75, 1980-82 e 1990-91. Hoje, essa visão está bastante difundida entre banqueiros centrais. O Fed de Bernanke recentemente reagiu ao enxugamento do crédito imobiliário e suas conseqüências para a economia americana cortando a taxa referencial de juros pela primeira vez em quatro anos. Isso implica que o Fed estava mais preocupado com a falta de crédito no mercado do que com inflação. Numa época de petróleo caro, foi uma aposta ponderada, mas arriscada. (Colaboraram Shai Oster, Susan Carey e Mike Spector)