Título: Entre a dor e o alívio
Autor: Tiso, Joana ; Mariz, Renata
Fonte: Correio Braziliense, 17/01/2011, Brasil, p. 5

Enquanto parentes da brasiliense Manuela Lacazi Lourenço Dias choram a perda da menina, que morreu em Nova Friburgo, filha respira aliviada por ter conseguido, depois de dias, notícias do pai Manuela Lacazi Lourenço Dias, de 13 anos, pretendia viajar para Nova Friburgo somente na sexta-feira, mas antecipou as férias em três dias. Moradora de Águas Claras, ela foi uma das vítimas da tragédia que abalou o Brasil. A menina morreu com outros sete parentes, inclusive Maria Vitória, sua prima predileta, e outras três crianças, todas com idades próximas de Manuela. A família chora, mas também transforma a dor em solidariedade. Seu primo, Felipe Mattos, encabeça uma campanha de arrecadação de doações para os desabrigados.

Por outro lado, a tristeza e apreensão de Daniele Barreto acabou. Ela se sente aliviada depois de receber notícias do pai, Hélio da Rocha Barreto, que morava na cidade, a mais afetada pelas chuvas e deslizamentos que já dura vários dias na região serrana do Rio de Janeiro.

¿Não era para ela estar aqui no dia 11, mas só dia 14. Mas foi Deus que quis, já que um anjo não pode ficar muito tempo aqui na terra para não se contaminar. Anjos precisam estar em outros lugares para ajudar as pessoas¿, diz chorando Gustavo Lourenço Dias, pai da menina morta, e que iria fazer 14 anos no próximo dia 22. Ele está em Nova Friburgo, onde enterrou a filha, e onde viu parte da família morrer sob os escombros da casa onde estavam cinco crianças e três adultos. Uma delas era Manuela, que morreu no quarto onde brincava com a prima Maria Vitória, sua companheira inseparável. ¿A prima dela chegou a morar dois anos em Brasília¿, conta Gustavo.

A parte da casa onde as duas crianças estavam não chegou a desabar, mas a fechadura da porta do quarto travou e ambas morreram por causa da lama. Os demais parentes estavam em outras partes da residência e também foram atingidos pelos escombros. ¿É um buraco sem fundo, ainda mais da forma como aconteceu¿, lamenta o pai. ¿Foi um anjo que passou na minha vida¿, diz Gustavo, que tem outro filho. Manuela foi enterrada no Cemitério Trilha do Céu, na cidade serrana e a família decidiu não separá-las. As duas foram transportadas no mesmo carro até o local e enterradas na mesma cova.

A dor da família também se transformou em solidariedade. Felipe Mattos, primo de Manuela, está à frente de uma campanha de arrecadação de doações e já juntou toneladas de alimentos, roupas e água, que serão enviadas hoje ao Rio de Janeiro. Dezenas de outras pessoas aderiram ao movimento, inclusive motoqueiros do Esquadrão de Cristo e Policiais Militares, além de familiares do rapaz e de sua namorada, que ajudam tanto na arrecadação quanto no carregamento da carga. ¿Pretendemos mandar três caminhões para o Rio de Janeiro amanhã (hoje)¿, afirma o empresário.

¿As pessoas estão doando de tudo¿, acrescenta Felipe. Ele pede que a comunidade leve principalmente água e biscoitos, já que há dificuldade em cozinhar outros alimentos. Ele decidiu pela campanha após ter ido à Nova Friburgo depois da tragédia, na semana passada. ¿As cenas da cidade são de guerra¿, diz o empresário, que, emocionado, se lembra de Manuela, a quem classificou de uma criança acima do normal. ¿A Manuela era uma menina linda, carinhosa¿, lembra Felipe,

A dor sentida pela família de Manuela Lacazi, trazida pela tragédia no Rio de Janeiro, felizmente não encontrou par em outros candangos. Na última sexta-feira, o Correio mostrou o drama da jornalista Daniele Barreto, 28 anos, que procurou notícias sobre o pai, a tia e os avós, durante três dias. O pai, o militar da reserva e advogado Hélio da Rocha Barreto, 63 anos, mora no bairro de Conselheiro Paulino, um dos mais atingidos da cidade de Nova Friburgo. No sábado, Daniele conseguiu fazer contato com o pai e, finalmente, respirou aliviada.

¿A casa dele fica em uma região mais alta, e não foi afetada pela chuva. Mas eu só consegui falar com ele porque ele saiu da cidade e estava indo para o Rio de Janeiro comprar comida. Ele disse que a cidade está um caos, que acabou tudo¿, relatou a jornalista. Ela disse que o pai ainda parecia apreensivo, no telefone, e não conseguiu dar detalhes da situação do bairro onde mora. ¿Eu preferi esperar ele se acalmar para trazer mais informações. Por enquanto, ele ainda está agitado, e em busca de comida, de necessidades básicas¿, contou.

Antes de conseguir falar com o pai, Daniele fez diversas ligações na Defesa Civil e no Corpo de Bombeiros de Nova Friburgo, mas ninguém soube dar informações. Ela cogitou ir até a cidade, mas desistiu quando soube que diversos bairros do município estavam sem acesso. Além dos contatos com autoridades da cidade afetada, a jornalista fez uma intensa busca por informações, pela internet. Na última sexta-feira, ela passou o dia em casa divulgando notas por redes sociais como o facebook e o twitter. Até a lista de falecidos das prefeituras chegou a ser consultada. ¿Ainda bem, eu tive uma boa notícia. Estava muito preocupada e agora posso respirar aliviada¿, disse.

Admiração A tragédia no Rio de Janeiro foi notícia no jornal Público, de Portugal. Com o título ¿A catástrofe em Nova Friburgo não passou, está a ser¿, a repórter Alexandra Lucas Coelho conta, em primeira pessoa, a experiência de visitar as áreas mais afetadas. E destaca a ¿espantosa solidariedade¿ dos brasileiros. Ela mesma chegou ao local de carona com um cidadão do Rio de Janeiro, Rafael, que enfrentou todos os riscos para levar mantimentos e roupas coletadas na PUC-RJ à cidade inundada.

Calamidade em sete locais

Oficialmente, a situação dos sete municípios mais afetados pelas chuvas que caem na região serrana do Rio de Janeiro, desde a noite da última terça-feira, é de calamidade pública. Decretos publicados hoje no Diário Oficial do estado reconhecem o cenário catastrófico das cidades, com o objetivo de garantir agilidade na reconstrução da vida cotidiana de Nova Friburgo, Teresópolis, Petrópolis, Sumidouro, São José do Vale do Rio Preto, Bom Jardim e Areal. O estado de calamidade pública foi decretado pelo governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, permitindo a dispensa de licitação na contratação de serviços, na aquisição de materiais e na execução de obras na região. A medida tem validade por 180 dias consecutivos e ininterruptos, a partir de 12 de janeiro ¿ quando a destruição provocada pelas primeiras chuvas já pôde ser observada. Cabral já havia decretado luto oficial de sete dias em função da tragédia.

O reconhecimento da situação de calamidade pública vem junto com um número recorde de mortes entre as tragédias brasileiras: já são contabilizadas 630 vítimas fatais, a maioria em Nova Friburgo (287), seguida por Teresópolis (269), Petrópolis (56) e Sumidouro (19). Os números foram divulgados na noite de ontem pela Secretaria de Estado de Saúde e Defesa Civil do Rio de Janeiro. A prefeitura de São José do Vale do Rio preto contabiliza ainda duas mortes na cidade. Depois de planejar uma sistemática de identificação e enterro dos mortos, cujo número aumenta a cada dia, as prefeituras começam a se mobilizar no atendimento aos sobreviventes: os prefeitos de Teresópolis (Jorge Mário), Nova Friburgo (Demerval Neto) e Petrópolis (Paulo Mustrangi) irão se reunir ainda hoje para criar um consórcio intermunicipal voltado à elaboração de projetos para a recuperação dos municípios, que serão entregues aos governos estadual e federal. Reportagem publicada no último sábado, pelo Correio, mostra que a liberação da primeira ordem bancária, após a ocorrência do desastre, acontece, em média, após 98 dias depois de solicitações estaduais.

Trafego aéreo O prefeito de Teresópolis se encontrou, na tarde de ontem, com o ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, general José Elito Carvalho Siqueira. Na reunião, foi consolidado um Gabinete Integrado de Segurança e Ações Estratégicas de Defesa Civil e Segurança Pública, e criado o Centro de Coordenação Operacional. Uma das funções do gabinete é fazer o controle do tráfego aéreo de Terópolis, para evitar o acidente entre aeronaves que fazer o resgate de vítimas e a entrega de donativos em áreas isoladas. ¿Pelo volume de helicópteros é um risco [não controlar], talvez correríamos grande risco. Hoje chove e este número é limitado, mas temos que nos preparar para quando o tempo estiver bom¿, afirmou Siqueira.

Por determinação do comandante-geral da Polícia Militar, Mário Sérgio Duarte, os comerciantes que se aproveitarem da tragédia para aumentar os preços de produtos de maneira abusiva deverão ser levados para a delegacia, onde deverá ser iniciada uma investigação para checar a existência do crime de extorsão ou de demais crimes contra a economia popular. (LL)