Título: Estatais se unem para construir refinaria
Autor: Leo, Sergio
Fonte: Valor Econômico, 21/09/2007, Brasil, p. A7

Após uma conversa que durou duas horas além do programado, e sem os sorrisos habituais das cerimônias do gênero, os presidentes do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva e da Venezuela, Hugo Chávez, anunciaram o compromisso de formar duas empresas mistas, entre a estatal venezuelana PDVSA e a Petrobras, para construção da refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, e exploração do campo de Carabobo, na faixa venezuelana do rio Orinoco. Os presidentes decidiram "acelerar" as conversas técnicas para formar as empresas, que Lula disse esperar para dezembro. Assumiram compromissos também por maior rapidez na construção do Gasoduto do Sul, pelas duas estatais.

Lula, ao discursar, fez questão de chamar para frente das câmeras os presidentes da PDVSA e da Petrobras e os ministros das Relações Exteriores dos dois países, "para comprometê-los" a concretizar o acordo político dos dois chefes de Estado. Enfatizou, ainda que a obra para a refinaria de Abreu e Lima já começou, e a venezuelana, no Orinoco, está "atrasada". Segundo explicou o ministro de Relações Exteriores, Celso Amorim, a discussão dos projetos energéticos "foi dominante" na conversa. Ele admitiu possíveis "rivalidades" entre PDVSA e Petrobras e reconheceu que a concretização do compromisso dos presidentes ainda depende das conversas técnicas das duas equipes.

Chávez, que, ao chegar no Hotel Tropical, em Manaus, para o encontro, deu recados ríspidos ao governo brasileiro, criticando a falta de definições em torno da associação entre Petrobras e PDVSA e dizendo-se "triste e perplexo" com o atraso na aprovação do ingresso do Mercosul, mudou de tom ao falar sobre a reunião, que classificou de "extraordinariamente oportuna", com o "irmão, companheiro e amigo" Lula. Os presidentes não responderam a perguntas , e engavetaram, sem divulgar, o comunicado final oficial, redigido pelos diplomatas após dura discussão, em que os venezuelanos rejeitaram datas sugeridas pelos brasileiros.

Chávez, ao relatar o encontro, informou que os dois presidentes realizarão reuniões "estratégicas" trimestrais. A próxima será em Caracas, preferencialmente em 12 de dezembro, segundo fez questão de marcar Lula, que disse esperar, nesta data, assinar os convênios para constituição das duas empresas binacionais.

O venezuelano garantiu que a Abreu e Lima terá 60% de capital da Petrobras e 40 da PDVSA, e Carabobo, 40% da Petrobras e 60% da parceira venezuelana. Defendeu, em seguida, a qualidade do petróleo pesado venezuelano e a capacidade existente de transformá-lo em petróleo leve, comercializável. As dúvidas da Petrobras sobre a viabilidade de processar adequadamente o petróleo venezuelano são um dos pontos de atrito entre as duas estatais e um dos obstáculos ao acordo, que terão de ser vencidos para a concretização da associação binacional.

Lula comemorou o acerto entre os dois presidentes e garantiu que o governo brasileiro fará tudo o que for possível para garantir a aprovação, no Congresso, do ingresso da Venezuela no Mercosul. Afirmou também que os encontros periódicos entre os dois são fundamentais para vencer as "intrigas" e boatos que surgem quando dois chefes de Estado não se vêem freqüentemente. Não "passa pela cabeça" de nenhum dos dois disputa de liderança no continente, discursou Lula, sob o olhar sisudo do venezuelano. Os dois combinaram até de aumentar as compras de álcool da Petrobras pela PDVSA, mas para a subsidiária da venezuelana nos EUA.

A manifestação dos dois presidentes foi mais amistosa que indicava o tom adotado por Chávez ao chegar para o encontro. Embora se dissesse "contente" com a reunião, ele chegou a dizer que a Venezuela não se rastejaria para entrar no Mercosul e que, apesar de não querer impor prazos "a ninguém", há limite de "dignidade" para o tempo que a Venezuela está disposta a aguardar pela aprovação da entrada do país no Mercosul. "Se a Venezuela não entrar no Mercosul, será uma vitória do império", afirmou, evitando, porém, citar Lula ou o Congresso brasileiro.

Chávez classificou como "mentira" as informações sobre as divergências entre a estatal venezuelana PDVSA e a Petrobras, nas negociações para construção da refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco. "Estão mentindo, talvez por ignorância, e, também, a mão do Império está por aqui, e tem jornalistas pagos por ela", acusou.

Chávez, ao falar após a reunião com Lula, anunciou que concordou que o futuro Gasoduto do Sul se estenda, inicialmente, apenas da Venezuela a Manaus e ao Nordeste brasileiro. Antes do encontro, havia criticado a demora na definição sobre o gasoduto, que planejava construir até o Cone Sul do continente, e lembrou que já tem apoio do presidente da Argentina, Néstor Kirchner, para uma fábrica que permitirá a venda de gás liqüefeito venezuelano aos argentinos. Lula anunciou que decidiu, com Chávez, fazer o estudo de "engenharia conceitual" do gasoduto, para orientar os investimentos conjuntos na obra.

Chávez foi enfático ao informar que criará o Banco do Sul, instituição de financiamento ao desenvolvimento na região, com ou sem o Brasil. Os presidentes da Argentina, Néstor Kirchner, da Bolívia, Evo Morales, e do Equador, Rafael Correa, se dispuseram a constituir o banco a partir de novembro, com sede em Caracas, anunciou.

A Venezuela já reservou US$ 1 bilhão de suas reservas para o capital da nova instituição. Ele se opôs a enviar representante à reunião de ministros da Fazenda prevista para outubro, no Rio, para lançamento da ata fundacional do banco. "Está tudo pronto, já fizemos as reuniões que precisávamos fazer", disse. "Já esperamos demais." Após ouvir de Lula confirmação do interesse brasileiro, Chávez mudou de idéia, garantiu Amorim.