Título: EUA e UE vão pressionar emergentes sobre clima
Autor: Moreira, Assis ;Chiaretti, Daniela
Fonte: Valor Econômico, 21/09/2007, Internacional, p. A12

Em um ponto há consenso; no outro, nem tanto. É por estes dois trilhos que pode correr a reunião sobre mudanças climáticas que acontecerá na semana que vem, em Washington. No encontro estarão presentes as 15 maiores economias do mundo - um eufemismo para designar também os países mais poluidores - convidados pelo presidente George Bush. União Européia, a UE, e emergentes como o Brasil, China e Índia respondem ao convite para escutar o que os EUA têm a dizer sobre como vão entrar no combate ao aquecimento global - aí está o consenso. A divergência pode partir da UE, que insistirá para os EUA se comprometerem com metas obrigatórias no corte das emissões de gases estufa. Até aí, tudo bem. O problema é que o recado europeu pode respingar também nos emergentes.

José Manuel Barroso, presidente da Comissão Européia, levará aos EUA duas mensagens contundentes. Bruxelas deixará claro que um acordo global para redução de emissões deve ocorrer no âmbito das Nações Unidas - ou seja, na Convenção sobre Mudanças Climáticas e seu filhote famoso, o Protocolo de Kyoto -, e não através de um processo rival. E que, para ter credibilidade, esse acordo precisa estabelecer metas obrigatórias de redução das emissões ao invés de objetivos voluntários e vagos.

"Trocar pontos de vista é bom, mas para um acordo o contexto são as Nações Unidas, e isso não é negociável", diz a porta-voz européia para meio ambiente, Bárbara Helferich. "E um acordo global precisa ter metas obrigatórias, mesmo se diferentes para as nações em desenvolvimento."

Espera-se que a pressão também crescerá para que o Brasil aceite se comprometer com padrões e metas setoriais de eficiência energética, com impacto em todos os setores da economia, da produção de motores à construção civil, espalhando-se pelas demais cadeias produtivas. "Os europeus nunca foram explícitos em cobrar metas para os emergentes", estranha Sérgio Serra, embaixador especial do Brasil para mudanças climáticas. "Nunca foram diretos. Até falam em metas para o futuro. Vamos ver o que dizem."

Esta não será uma reunião de negociação. A delegação brasileira, de cinco ou seis membros e chefiada pelo embaixador Everton Vargas, terá representantes dos ministérios da Ciência e Tecnologia e do Meio Ambiente. "A convocação desta reunião mostra que os EUA estão finalmente conscientes da gravidade do problema e o mundo inteiro tem o maior interesse que eles entrem no regime internacional", prossegue Serra. "Mas não queremos um processo paralelo de deliberação." E o que os EUA querem ainda é ambíguo.

O anúncio do encontro, feito por Bush em julho, na Alemanha, durante a cúpula do G8+5 (a reunião dos 7 países mais ricos do mundo mais a Rússia com os 5 emergentes), causou mal-estar desde o início. A anfitriã, a chanceler alemã Angela Merkel, pretendia convencer os EUA a ingressarem em Kyoto ou no pós-2012, quando se encerra o primeiro período de cortes de emissões do Protocolo. Bush saiu pela tangente, dizendo que os EUA querem liderar o processo - mas, por "processo", parecem entender outro caminho.

A agenda de Washington será aberta pela secretária de Estado Condoleezza Rice. Haverá espaço para participação do setor privado e de ONGs. As falas seguirão cinco tópicos: tecnologias de baixa emissão de carbono, carros e combustíveis, uso da terra (aí entram florestas e desmatamento), eficiência energética e financiamento. Bush deve comparecer no segundo dia, a sexta-feira, quando a pauta prevê "processos e princípios para estabelecer metas de longo prazo."

O governo americano quer que este seja o primeiro de quatro encontros promovidos pelos EUA e que, em janeiro de 2009, um plano esteja traçado. A estratégia do governo Bush tem sido focalizar o tema prevendo esforços setoriais. Desta forma, o setor de transporte teria uma meta de redução de emissões; o de energia, outra, e assim por diante. Mas não o país, como estipula o acordo de Kyoto.

É por isto que Daniel Mitler, especialista em mudanças climáticas do Greenpeace, aposta que os EUA irão aproveitar esta primeira reunião com os outros grandes poluidores para colocar mais pressão por eficiência energética setorial.

"O Brasil tem resistido a essas pressões, mas elas vão subir na semana que vem", diz ele. A Alemanha, na presidência do G-8 este ano, defende que os países, sobretudo os ricos, se comprometam em duplicar a eficiência energética até 2020. "Mas precisamos que os outros façam o mesmo, porque a UE cortar 20% sozinha significa pouco impacto no combate às mudanças climáticas", diz Bárbara Helferich, a porta-voz européia para o meio ambiente.

"Isso tudo envolve competitividade econômica, e o processo continua emperrado", analisa Lucas Assunção, diretor da divisão de comércio e meio ambiente da Unctad, a agência da ONU para comércio e desenvolvimento.

Também entre ambientalistas o chamado do presidente Bush é visto com desconfiança. "Parece ser uma tentativa do governo Bush de enfraquecer o processo de Kyoto e fazer um jogo de cena para a política doméstica e internacional", diz Rubens Born, da brasileira Vitae Civilis, que irá aos EUA participar de encontros paralelos promovidos por ONGs que atuam na questão climática.

A semana será efervescente em questões globais nos Estados Unidos. Na segunda-feira, em Nova York, o secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, organiza um grande encontro sobre mudança climática com 80 chefes de Estado e de governo. Ele espera dos governantes uma forte mensagem política para combater o aquecimento global. O governo brasileiro será representado pela ministra Marina Silva, do Meio Ambiente . O presidente Lula participará da abertura da Assembléia Geral das Nações Unidas, na manhã de terça-feira. Deve lembrar os avanços que o Brasil têm tido no combate ao desmatamento e falar, naturalmente, dos biocombustíveis.

No quesito clima, essa intensa movimentação política antecede a negociação de 191 países em dezembro, em Báli, na Indonésia, sobre o futuro de Kyoto. O objetivo da ONU é concluir a negociação até 2009. Os EUA são o maior emissor de C02 do planeta, com 25% do total. Nenhuma estratégia para atenuar as mudanças climáticas pode ter sucesso sem redução substancial e permanente das emissões americanas.