Título: Assembléia aprova nova Constituição socialista
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Fonte: Valor Econômico, 05/11/2007, Internacional, p. D2

A Igreja Católica a qualifica de "moralmente inaceitável". Muitos advogados e entidades de direitos humanos dizem que ela viola as liberdades básicas. Mesmo alguns aliados do governo falam de "fraude constitucional". Mas nada disso parece poder de impedir a reforma radical da Constituição da Venezuela patrocinada pelo presidente Hugo Chávez. A Assembléia Nacional aprovou as mudanças na sexta-feira. A reforma será agora submetida a referendo em dezembro.

Chávez diz que a reforma, que vem na esteira da sua vitória na eleição presidencial de dezembro, é imperativa para entrincheirar a sua "revolução". Como ele disse em agosto, ela afeta menos de um décimo dos 350 artigos da Constituição de 1999 (que o próprio presidente inspirou). A assembléia, porém, acrescentou 36 artigos.

Grande parte das mudanças amplia o poder presidencial e enfraquece os controles institucionais remanescentes que incidiam sobre ele. As autoridades argumentam, porém, que a criação de "conselhos comunitários" populares equivale a uma grande devolução de poder ao "povo". No centro da reforma está uma ampliação do mandato presidencial, de seis para sete anos, e a remoção de limites de mandatos. Eleito pela primeira vez em 1998, pela a Constituição atual Chávez não poderia disputar a próxima eleição presidencial, que deverá ocorrer em 2012.

A reforma também permite que o presidente use livremente, a seu critério, as reservas internacionais do país, e que possa declarar qualquer parte do país um "território federal", governado diretamente a partir do palácio presidencial. Outra mudança permitirá ao presidente declarar estado de emergência por tempo indefinido e suspender o direito a informação e a elementos do devido processo legal.

Espalhados por todo o novo projeto de lei há referências ao "Estado socialista" que Chávez está planejando. As eleições, por exemplo, são descritas como [meio] "para a construção do socialismo", ao passo que agora a tarefa do Banco Central será a de contribuir para a "economia socialista". O que isso significa não está explicitado. A nova carta, contudo, enfraquecerá os direitos de propriedade, permitindo, por exemplo, que sejam feitas expropriações antes, em vez de depois, de uma decisão judicial. O governo terá poderes específicos para expropriar propriedades rurais e fábricas se a "segurança alimentar" estiver ameaçada.

A Assembléia serve apenas de endosso automático para Chávez, devido à decisão tacanha da oposição de boicotar a eleição legislativa em 2005. Dentre seus 167 membros, apenas uns poucos, pertencentes ao Podemos, partido socialista democrata, rejeitou a reforma, acusando a Assembléia de ter conduzido a tramitação das mudanças de forma apressada, acrescentando cláusulas adicionais no último minuto, mesmo depois de a reforma já ter completado sua primeira e segunda leituras. Os chavistas na Assembléia argumentam que essas mudanças se originaram a partir de milhares de encontros realizados em todo o país nas semanas recentes.

A oposição mais articulada veio de fora da Assembléia. Em outubro, os bispos católicos emitiram uma "exortação", na qual alertaram que a "implantação de um Estado socialista... significa o fim do pluralismo e da liberdade política". Num comunicado conjunto, as associações de classe do país advertiram que a passagem apressada de uma Constituição que não se baseia em consenso generalizado ameaça "criar as condições para um conflito político e social de dimensões imprevisíveis".

Pesquisas indicam que muito venezuelanos poderão se abster de votar no referendo. Mas Chávez deve conseguir aprovar a reforma. Ele venceu todas as eleições realizadas desde 1998, e o governo atualmente domina os meios de comunicação. Além disso, a reforma inclui duas medidas de grande apelo popular: a redução da jornada de trabalho para 36 horas semanais e a concessão de seguridade social a trabalhadores informais, apesar de nenhuma delas exigir mudança constitucional.