Título: Antes de sair, Zuanazzi age para evitar punição à BRA
Autor: Rittner, Daniel ; Lyra, Paulo de Tarso
Fonte: Valor Econômico, 31/10/2007, Brasil, p. A4

Leo Pinheiro/Valor Milton Zuanazzi, diretor-presidente da ANAC: pressionado, demissão deve ser anunciada hoje, em Brasília O diretor-presidente da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), Milton Zuanazzi, que deve anunciar hoje sua renúncia ao cargo, agiu nos bastidores, como uma de suas últimas medidas, para evitar a paralisação das operações da BRA. Zuanazzi contrariou recomendação da equipe técnica da agência, em dois pareceres, de suspensão total dos vôos e vendas de passagens da companhia aérea, por supostos descuidos na manutenção de aeronaves e mau atendimento aos passageiros, entre outros problemas.

A BRA enfrenta a pior crise desde sua fundação, em 1999. Técnicos da Anac constataram descumprimento de várias normas pela empresa e encaminharam ao presidente do órgão regulador, há cerca de dez dias, relatórios em que sugeriam a suspensão das operações, por tempo indeterminado, até que os problemas fossem corrigidos. Zuanazzi, então integrante único da diretoria, vetou a recomendação sem dar explicações.

O presidente demissionário da Anac é do ramo de turismo e uma das possibilidades cogitadas pelo governo é remanejá-lo para um cargo na Embratur. A família Folegatti, principal acionista da BRA, é oriunda do mesmo setor e dona também de uma das maiores operadoras de turismo do país, a PNX Travel.

A Anac já suspendeu a venda de passagens internacionais da BRA e realizou auditoria na empresa, mas parte dos problemas continuaram mesmo após o cerco à empresa. Segundo funcionários da agência, passageiros de vôos cancelados não têm recebido tratamento adequado e a companhia não forneceu todos os dados financeiros.

Houve denúncias do Sindicato Nacional dos Aeronautas de que as refeições de bordo disponíveis aos tripulantes estavam estragadas. Novos problemas nas aeronaves, como a despressurização de um Boeing 737 após decolagem em Porto Alegre, foram determinantes na recomendação de paralisar as operações. Fornecedores também se queixam de atrasos nos pagamentos.

Zuanazzi convocou uma entrevista para a manhã de hoje e deve colocar o cargo à disposição. A informação da demissão foi confirmada, ontem à noite, pela assessoria do ministro da Defesa, Nelson Jobim. Pressionado pelo ministro, ele tem buscado apoio dentro do PT para enfrentar o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal. Na segunda-feira, o conselho consultivo da Anac, formado por 22 entidades ligadas à aviação, encaminhou ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva uma carta em que pede a permanência

de Zuanazzi.

Ontem, Jobim ignorou o atual presidente da Anac na reunião que fez com as principais autoridades aeronáuticas do país. O ministro convocou uma reunião com a cúpula da Infraero, oficiais da Aeronáutica e os novos diretores da Anac. Estiveram presentes o economista Marcelo Guaranys, cuja nomeação para a diretoria da agência ainda não saiu, e o brigadeiro Allemander Pereira Filho, empossado anteontem. Zuanazzi não foi convidado.

Amigos de Zuanazzi afirmam que o presidente da Anac decidiu deixar hoje o cargo em cumprimento de acordo entre o próprio Zuanazzi e o presidente Lula, no auge da crise do apagão aéreo. Depois do acidente da TAM e com a Anac recebendo críticas, Zuanazzi procurou o ministro da coordenação política, Walfrido dos Mares Guia, com um recado. "Não serei empecilho às mudanças na agência. Pode falar isso ao presidente Lula."

Walfrido transmitiu o recado ao presidente. Nesse meio tempo, contudo, Jobim elevou o tom das divergências com a agência e aumentou a pressão pela renúncia. Zuanazzi não quis assumir o "status"" de incompetente e começou a dar repetidas entrevistas dizendo que "só deixaria o cargo se fosse tirado pelo presidente da República".

No governo, a resistência de Zuanazzi, que tem amigos no Palácio do Planalto, tinha interpretações diversas. Alguns interlocutores do ministro da Defesa viam na atitude do presidente da Anac uma mensagem indireta do PT, sobretudo do PT gaúcho, incomodado com o crescimento do prestígio de Jobim dentro do governo. Aliados de Zuanazzi, porém, avaliavam sua insistência em permanecer no cargo como uma questão de preservação profissional.

Como Zuanazzi almeja recolocar-se profissionalmente quando deixar a Anac, não poderia sair com a "carapuça vestida de incompetente ou desonesto", como saiu a ex-conselheira Denise Abreu. Os mais próximos a Zuanazzi, no entanto, avaliam que não foi possível evitar a comparação. Acham que a permanência dele no cargo, depois de moralmente demitido em praça pública pelo ministro, pode não ter preservado sua imagem como gostaria.