Título: Soberania tem preço
Autor: Queiroz Bisneto, José Pessoa de
Fonte: Correio Braziliense, 21/01/2011, Opinião, p. 17

Engenheiro mecânico e administrador de empresas, preside a Companhia Brasileira de Açúcar e Álcool

O vigoroso processo de crescimento econômico, com as positivas consequências sociais que o Brasil vive nos últimos anos, estabelece novos desafios a cada dia. Um deles, sem dúvida, é a sustentabilidade econômica e ambiental. Muito já se discutiu sobre a necessidade de encontrar soluções que harmonizem essas duas equações, que não são necessariamente conflitantes. O homem precisa tanto da natureza quanto dos meios para sobreviver e progredir.

Com a globalização em franca expansão, os países buscam mecanismos que garantam segurança jurídica aos investidores e, ao mesmo tempo, permitam o pleno desenvolvimento das forças produtivas nacionais. O Brasil, por sua vocação de grande exportador agrícola, possui invejável porção territorial que atrai a atenção do mundo. Não se desconhece o papel que nosso país jogará no futuro da humanidade na questão da segurança alimentar, para citar apenas um exemplo.

Sem xenofobia, é necessário pensar os diferentes cenários da inserção brasileira no mundo. Queremos uma nação independente ou subjugada? Um país altivo, com orgulho de seu potencial, ou aceitaremos a tese da falta de saída para um ambiente internacional altamente competitivo? Não se trata de olhar o mundo a partir de interesses exclusivamente domésticos, mas também não podemos ser simples espectadores de um jogo em que a presença geopolítica do Brasil é fundamental.

Nesse sentido, o produtor rural está convocado a pensar para além do próprio negócio e introduzir em sua lógica de crescimento o tema da soberania nacional. E não se pode falar em soberania sem mencionar a questão da propriedade da terra e de uma primeira grande questão a ela relacionada, definida na Constituição Federal: ¿Art. 190. A lei regulará e limitará a aquisição ou o arrendamento de propriedade rural por pessoa física ou jurídica estrangeira e estabelecerá os casos que dependerão de autorização do Congresso Nacional¿.

Os investimentos estrangeiros são bem-vindos e devem ser estimulados com garantias jurídicas claras. A contrapartida é que esses investimentos também aceitem as regras do jogo. Ao tratar do tema da propriedade por empresas brasileiras pertencentes a estrangeiros, a Advocacia Geral da União registra bons exemplos na pátria do liberalismo de mercado.

Diz parecer da AGU: ¿Em Nova York, o estrangeiro deve naturalizar-se americano para possuir propriedade rural. Na Virgínia, permite-se apenas a posse, não a propriedade ao estrangeiro que seja residente há mais de cinco anos. Em Iowa, as terras não destinadas à agricultura podem ser negociadas livremente; as terras destinadas à agricultura não podem pertencer a pessoas, físicas ou jurídicas, não residentes. No Missouri, as terras não destinadas à agricultura podem ser negociadas livremente, mas as terras destinadas à agricultura não podem pertencer a estrangeiros. Caso estrangeiros venham a ser proprietários de terras agrícolas, o Estado dá dois anos para que sejam negociadas com nacionais; caso não sejam, vão a leilão público¿.

Temos um debate aberto que vai ganhar proporções inéditas no próximo período de governo. Isso se traduz em uma pergunta: como o Estado brasileiro fará para ter um controle efetivo sobre a aquisição e o arrendamento de terras realizadas por empresas brasileiras cujo controle acionário e controle de gestão estejam nas mãos de estrangeiros não residentes no território nacional?

Os desafios estão na mesa: expansão da fronteira agrícola com o avanço do cultivo em áreas de proteção ambiental e em unidades de conservação; valorização desregrada do preço da terra e incidência da especulação imobiliária gerando a redução do estoque de terras disponíveis; crescimento da venda ilegal de terras públicas; aquisição de terras com recursos da lavagem de dinheiro, do tráfico de drogas e da prostituição; aumento da grilagem; proliferação de ¿laranjas¿ na compra de terras; e aquisição em faixas de fronteira pondo em risco a segurança nacional.

A interpretação jurídica que vigorou até hoje já não é mais suficiente para dar conta dos avanços econômicos e das atuais demandas socioambientais. Por isso, os investimentos na aquisição e arrendamento de terras por grupos estrangeiros exige tratamento de acordo com a soberania do Estado brasileiro, a quem cabe definir as regras para os setores considerados estratégicos para o seu desenvolvimento. É o caso da agricultura brasileira.