Título: Vale acerta acordo de R$ 484 milhões com o governo
Autor: Daniel Rittner
Fonte: Valor Econômico, 01/02/2005, Empresas &, p. B9

O governo federal e a Companhia Vale do Rio Doce praticamente fecharam um acordo financeiro que encerra quase 15 anos de impasses e gera um crédito, a favor da União, de R$ 484 milhões. As linhas do entendimento foram discretamente negociadas desde abril passado, quando o assunto foi retirado do congelador, e as discussões "chegaram a um ponto de convergência" nas últimas semanas, afirmou o secretário-executivo do Ministério dos Transportes, Paulo Sérgio Oliveira Passos. No governo, a intenção não é receber esses créditos em dinheiro. A Vale deverá pagar a maior parte da dívida em obras na Estrada de Ferro Vitória-Minas e na Ferrovia Centro-Atlântica (FCA), das quais tem controle acionário. Essas obras são de responsabilidade da União, que, no entanto, não possui verbas suficientes para levá-las adiante. A programação orçamentária prevê investimentos em ferrovias de R$ 110 milhões em 2005. Desse total, a eliminação de conflitos urbanos (contornos, pontes, travessias e viadutos) ficará com R$ 67 milhões. Pelos contratos de concessão, cabe às concessionárias investir apenas em recuperação e modernização dos trilhos, além da aquisição de locomotivas e vagões. Segundo o acordo, que tem sido tratado pelas duas partes como um "encontro de contas", a Vale pagará o débito com o governo aplicando recursos em três obras consideradas prioritárias pelo Ministério dos Transportes: o contorno ferroviário de Belo Horizonte (estimado em pouco mais de R$ 100 milhões), o contorno Cachoeira-São Félix, na Bahia (com valor similar) e o contorno de Vila Velha-ES (cerca de R$ 60 milhões). Em todos os casos, o objetivo é evitar que os trens de carga atravessem as cidades, como acontece hoje, obrigando-os a reduzir velocidade e muitas vezes esperar pela passagem de comboios de passageiros. A dívida da Vale tem origem em 1961, com a assinatura de um contrato para utilização do trecho ferroviário entre as estações de Desembargador Drummond e Engenheiro Costa Lacerda (MG), com o objetivo de escoar a produção de minério destinada ao Porto de Tubarão (ES). Esse trecho era de propriedade da antiga Rede Ferroviária Federal S/A (RFFSA). Em 1990, os débitos cresceram com a transferência, da RFFSA para a Vale, do direito de exploração do trecho Costa Lacerda-Capitão Eduardo, um ramal de aproximadamente 100 quilômetros de extensão que alimenta a Estrada de Ferro Vitória-Minas. A Vale, então uma companhia estatal, deveria ter feito parte do pagamento do contrato 014/90 à RFFSA em dinheiro, e parte em obras. Mas nunca chegou a concretizar a promessa e teve início a novela do encontro de contas. Em 1994, chegou-se a um acordo para a compensação de créditos, mas o entendimento ficou só no papel. Desde então, a Vale foi privatizada, a RFFSA entrou em processo de liqüidação e o assunto só voltou à mesa de negociações para valer em meados do ano passado. O presidente da Vale, Roger Agnelli, participou diretamente das discussões. "Há uma convergência em relação ao valor atualizados da dívida, aos critérios adotados para a sua conversão e ao conjunto de projetos que deverão ser executados", disse o secretário do Ministério dos Transportes. "As negociações já consumiram um tempo longo demais e temos poucas etapas a serem vencidas", completou Passos. A última fase de discussões prevê uma formatação jurídica que permita à Vale fazer os investimentos com o monitoramento da União, sem que os recursos passem pelo orçamento federal. Também é preciso concluir o projeto de engenharia de uma das obras, o contorno ferroviário de Vila Velha (ES). "Esperamos começar a execução ainda em 2005", afirmou Passos. Para o secretário, a obra mais importante é o contorno Cachoeira-São Félix, no Recôncavo Baiano, onde a passagem de trens atravessa as duas cidades e costuma interromper o fluxo de veículos "várias vezes ao dia, por hora e meia". Segundo ele, essas obras não seriam normalmente da FCA por causa da ausência de obrigação contratual. Procurada pela reportagem para falar sobre o assunto, a Vale não retornou as ligações até o fechamento desta edição.