Título: Teerã irredutível
Autor: Sabadini, Tatiana
Fonte: Correio Braziliense, 22/01/2011, Mundo, p. 24

Primeiro dia de reunião entre seis potências e o governo do Irã, em Istambul, termina sem qualquer perspectiva de acordo sobre o enriquecimento de urânio. Ahmadinejad exige fim das sanções internacionais e reconhecimento de direitos

O Irã não deve negociar a suspensão do enriquecimento de urânio com as grandes potências. Em Istambul, o primeiro dia da reunião com Estados Unidos, Rússia, China, França, Reino Unido e Alemanha terminou sem acordo sobre o programa nuclear de Teerã. O problema se arrasta desde 2005, quando o governo de Mahmud Ahmadinejad reativou suas usinas nucleares. Uma possível troca de combustíveis, com parâmetros similares à proposta mediada pelo Brasil e pela Turquia no ano passado, pode ser uma das soluções apresentadas hoje, antes do fim do encontro. No entanto, especialistas e diplomatas concordam que as chances de um compromisso firme e definitivo são poucas.

Durante a reunião, o governo iraniano pediu o reconhecimento do seu direito de enriquecer urânio, além do levantamento das sanções internacionais contra Teerã. ¿Não permitiremos absolutamente que as discussões abordem a questão de nossos direitos fundamentais, como a questão de uma suspensão do enriquecimento de urânio. Vamos nos concentrar na cooperação. As discussões são positivas, porque as duas partes vieram aqui para tomar medidas positivas¿, declarou Abolfazl Zohrevand, assessor de Said Jalili, chefe de negociadores. No intervalo da reunião, Jalili saiu para rezar na Mesquita Azul.

Para a comunidade internacional, o Irã precisa apresentar um maior comprometimento em relação a seu programa nuclear, a fim de impedir a construção de armas atômicas. A chefe da diplomacia europeia, Catherine Ashton, intermediária do grupo das seis potências, teve um encontro de uma hora e meia com Jalili. Por enquanto, as negociações não saíram do lugar. ¿Eles falaram muito, mas as posições permanecem as mesmas. Seria justo dizer que a reunião bilateral foi inconclusiva¿, afirmou um diplomata à agência France-Presse, sob condição de anonimato.

Uma das opções de acordo seria uma revisão da proposta feita em maio de 2009 e mediada pelo então presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, e o governo turco. Essa seria uma das armas das grandes potências para avançar nas negociações. Na época, o projeto previa o envio ao território turco de 1.200kg de urânio, para ser trocado no prazo máximo de um ano, por 120kg de combustível altamente enriquecido (20%), que seriam usados no reator experimental de Teerã. As grandes potências não aceitaram as condições e aprovaram novas sanções contra o Irã.

Uma proposta parecida foi negociada em 2009. O projeto do Grupo de Viena (Estados Unidos, Rússia e França) sugeria o envio de urânio enriquecido para a Rússia, em troca de combustível russo e francês para Teerã. Dessa vez, o Irã rejeitou a negociação. ¿Nós queremos lançar um processo sério e concreto, que aborde profundamente os problemas criados pelo programa nuclear iraniano¿, declarou o porta-voz da diplomacia americana, Philip Crowley.

Sobrevivência Para o iraniano Nader Entessar, cientista político da Universidade do Alabama, o progresso da reunião será um passo importante para a troca de combustível, ainda que provisória. ¿É de grande importância para Ahmadinejad garantir a sobrevivência a longo prazo, a fim de evitar o isolamento. Se as grandes potências não demostrarem uma forma de proteção ao país, não adianta apresentar proposta¿, disse. Um compromisso firme entre a comunidade internacional e o Irã parece distante. ¿A confiança é importante nas negociações e um acordo só ocorrerá se duas condições se encontrarem: o direito de enriquecimento, de alguma forma, e a garantia de segurança pelo sistema¿, afirma.

ESTUDO ALERTA SOBRE PROGRAMA FORTALECIDO A capacidade de enriquecer urânio aumentou em 2010, segundo um estudo científico da Federação de Cientistas Americanos (FAS). O órgão estima que o Irã possa obter a quantidade necessária de urânio altamente enriquecido para fabricar uma bomba atômica em menos de um ano. A instituição recomendou que a comunidade internacional continue a pressionar Teerã, para que o programa nuclear do país sofra restrições. De acordo com o relatório, as centrífugas da usina de Natanz, usadas para enriquecer urânio, aumentaram sua eficácia no ano passado. ¿A capacidade de enriquecimento do maior laboratório iraniano aumentou em relação aos anos anteriores. É evidente que o Irã não para em seus esforços nucleares¿, disse o estudo. Os autores basearam seus cálculos e conclusões nos dados divulgados pela Organização Internacional da Energia Atômica (OIEA).

Cronologia da crise

» Agosto de 2005 Mahmoud Ahmadinejad toma posse como presidente do Irã e retoma as atividades nucleares na usina de Isfahan, suspensas em 2004 após acordo com França, Alemanha e Reino Unido.

» Abril de 2006 O Irã anuncia o primeiro enriquecimento de urânio a 3,5%.

» Julho O Conselho de Segurança da ONU vota a resolução 1696 e exige que o Irã pare com o enriquecimento até 31 de agosto, sob pena de sanções.

» Dezembro Sem acordo com Teerã, a ONU aprova por 15 votos a zero sanções econômicas contra o Irã.

» 2008 Ahmadinejad declara que o Irã possui de 5 mil a 6 mil centrífugas e que está desenvolvendo seu programa nuclear.

» Abril de 2009 Ahmadinejad anuncia que testes estão sendo feitos para enriquecer urânio e inaugura em Isfahan a primeira usina de fabricação de combustível nuclear.

» Outubro A AIEA propõe que uma parte do urânio enriquecido seja entregue à Rússia, responsável por enriquecê-lo a 19,75%, antes de ser transformado na França em combustível.

» Novembro O Irã recusa a proposta internacional e anuncia a construção de outras 10 usinas, além da intenção de produzir urânio enriquecido a 20%.

» Dezembro O Irã propõe trocar combustível enriquecido a 3,5% e a 20% por lotes de 400kg de urânio. As potências não aceitam.

» Maio de 2010 Depois da mediação do Brasil e da Turquia, o Irã faz um acordo que prevê o envio ao território turco de 1.200kg de urânio levemente enriquecido, para ser trocado por 120kg de combustível altamente enriquecido (20%). As grandes potências rejeitam o acordo.

» Junho O Conselho de Segurança da ONU aprova nova rodada de sanções.

Blair lamenta mortes

Muito criticado no ano passado, o ex-primeiro-ministro britânico Tony Blair adotou um discurso mais suave ao retornar ontem à comissão de inquérito que investiga a participação do Reino Unido na guerra contra o Iraque. Embora tenha defendido enfaticamente a guerra contra Saddam Hussein e não tenha economizado críticas ao ¿nocivo¿ Irã, desta vez Blair lamentou ¿profundamente a perda de vidas¿. E disse que seu primeiro depoimento, ocorrido exatamente há um ano, foi mal interpretado. Na época, ele dissera não ter ¿nenhum arrependimento¿ em relação às decisões tomadas durante o conflito.