Título: Brasil ajuda Argentina a reatar com FMI
Autor: Janes Rocha, de Buenos Aires
Fonte: Valor Econômico, 26/11/2007, Internacional, p. A13

A Argentina está cada vez mais próxima de normalizar sua situação financeira internacional, cinco anos depois da crise que levou à moratória da dívida externa. Analistas dizem que o Brasil está tendo um papel importante nessa nova fase. Os sinais de reaproximação com o Fundo Monetário Internacional (FMI) estão ficando mais evidentes a apenas duas semanas da posse da nova presidente do país, Cristina Fernandez de Kirchner.

Cristina convidou o novo diretor gerente do FMI, Dominique Strauss-Kahn, para participar da cerimônia de posse em Buenos Aires, no próximo dia 10. Strauss-Kahn aceitou o convite e já confirmou presença, segundo a assessoria de imprensa do Fundo. Esta semana, o FMI mandou uma carta ao Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), dando parecer favorável à liberação de um empréstimo de US$ 350 milhões para financiar um programa de melhoria da administração dos gastos públicos, segundo noticiou o jornal "Clarín".

Na carta, o FMI faz uma avaliação positiva do desempenho da economia argentina, um requisito necessário para a liberação dos recursos pelo BID.

A Argentina quitou sua dívida com o FMI em 2005, mas um novo acordo com o Fundo é a condição imposta pelo Clube de Paris para a renegociação de uma dívida de US$ 7,2 bilhões que o país ainda mantém com estes credores.

A normalização das relações com a comunidade financeira internacional é apontada como condição necessária para que o país volte a receber investimentos estrangeiros e, dessa forma, mantenha as elevadas taxas de expansão econômica.

Outro sinal de que a Argentina está dando um giro em sua política externa foi a nomeação de um empresário para assumir a embaixada do país na França. Luis Maria Ureta Sáenz Peña, presidente da subsidiária local da Peugeot-Citroën e vice-presidente da União das Indústrias da Argentina, um empresário alinhado ao governo Kirchner desde o começo, foi o indicado para o posto.

O próximo passo, segundo a imprensa local, poderá ser a presença de Cristina na edição 2008 do Fórum de Davos, marcado para o fim de janeiro. O convite já foi feito, mas a presidente ainda não deu resposta.

O último presidente a participar do Fórum foi Eduardo Duhalde, antecessor de Néstor Kirchner - que nunca quis fazer parte do famoso encontro internacional que se realiza na Suíça.

A mudança de "clima" é visível. Néstor Kirchner passou quatro anos fustigando o FMI, acusado de ser "co-responsável" pela crise que levou a Argentina ao "inferno".

Para o analista de relações internacionais, Andrés Cisneros, vice-chanceler da Argentina entre 1995 e 1996, o Brasil pode estar ajudando no reatamento das relações da Argentina com a comunidade financeira internacional. "O Brasil tem prestígio entre estes organismos internacionais e é líder na região. Se Argentina e Brasil se apresentam juntos, dão um sinal de que a Argentina terá um rumo semelhante ao do Brasil", analisa Cisneros.

"É claro que o Brasil tem interesse em que a Argentina regularize sua situação internacional e sempre estará pronto a colaborar no que for possível para que isso aconteça", disse ao Valor o embaixador do Brasil em Buenos Aires, Mauro Vieira.

Mas ele minimizou o papel do país nos acontecimentos recentes e garantiu que o acordo com o FMI e com o Clube de Paris não foi discutido com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva na primeira viagem oficial de Cristina a Brasília, semana passada. "A Argentina não precisa do Brasil para isso", disse Vieira.

"Ao ressaltar, com a visita de Cristina, a relação prioritária com o Brasil, a Argentina se beneficia do excelente momento atual das relações Brasília-Washington e também com a União Européia, que convidou o Brasil para ser sócio estratégico", observa o embaixador.

"Com isso, poderia negociar um acordo com o Fundo que seja politicamente palatável e que abra as portas para a renegociação com o Clube de Paris", afirmou um representante de outra instituição multilateral de crédito que pediu para não ter seu nome publicado.

Dessa forma, diz este observador, o governo argentino destrava o acesso às agências internacionais de financiamento de investimentos e crédito às exportações, sem o qual as multinacionais americanas e européias não conseguem avançar em investimentos na Argentina.

A equação se fecha com a participação do governo americano, afirma Cisneros.

"É do interesse do governo americano que a Argentina negocie com o FMI e o Clube de Paris e deixe de depender da Venezuela", aponta este analista.

Entretanto, nenhum dos entrevistados acredita que a Argentina esteja se afastando da Venezuela. O governo de Hugo Chávez, notório inimigo de Washington, foi o único que se dispôs a comprar bônus do tesouro argentino, ajudando o país a financiar suas necessidades de caixa.

Na segunda-feira passada o governo venezuelano comprou mais US$ 500 milhões em bônus com vencimento em 2015 e com esta operação já acumula US$ 5,6 bilhões em aquisição de títulos argentinos.