Título: OMC veta compra de pneu usado do Mercosul
Autor: Moreira , Assis
Fonte: Valor Econômico, 04/12/2007, Brasil, p. A3

No entanto, os juízes reconheceram que o Brasil aplica a medida de maneira contraditória - o que significa sobretudo pressão para o país fechar de vez outros buracos que permitem importações de usados e reformados. Nesse cenário, o Orgão de Apelação ficou desta vez ao lado da UE, estabelecendo que não é permitido que o Brasil importe pneu reformado originário de países do Mercosul, enquanto proíbe o produto de outros países.

Para os árbitros, autorizar só a importação do Mercosul está em contradição com as alegações de proteção a saúde, é discriminação "arbitrária e injustificada" e portanto deve ser alterada. Além disso, o Órgão de Apelação confirmou que as importações de pneus usados, viabilizados através de liminares judiciais, para utilização como matéria-prima pela indústria nacional de reforma, também configura discriminação - ou seja, se é para proteger saúde e meio ambiente, a coerência impõe o fechamento total desse tipo de comércio.

"Se a decisão contra o pneu usado for implementada, teremos de imediato fechamento de mais de cem empresas e 10 mil demissões", reagiu o diretor de mercado da Associação Brasileira do Segmento de Pneus Reformados (ABR), Otávio Bastos. Para fontes de Brasília, o que acontece atualmente é um escândalo ambiental, com a UE entregando de graça no Brasil pneus velhos para reformadores brasileiros, livrando-se de lixo para não gastar com reciclagem.

Bastos nega. "Pagamos frete, impostos para trazer a carcaça usada", argumentou. Ele alega que sem a carcaça da UE, do Japão, da Oceania, a indústria de reformados no Brasil, com 1.557 empresas e faturamento de R$ 4 bilhões por ano, entra em colapso. "É que no Brasil, com as estradas esburacadas e ruas sem cuidado, se usa o pneu até o fim e não sobra nada. Aqui não temos pneu velho nem para reciclar, imagine para reformar."

Pelos cálculos da ARD, o pneu reformado é vendido a 50% do preço do novo e atende a uma grande parcela de consumidores com menor renda. A importação de usados chegou a 10,5 milhões de unidades em 2005, caiu para 7,5 milhões no ano passado e a expectativa é que não alcance 7 milhões este ano.

Essa importação, só possível através de liminares na Justiça, pode estar com os dias contados. O Supremo Tribunal Federal aparentemente só esperava a decisão de ontem da OMC para impor de vez uma medida coibindo a importação, para que o país passe a respeitar as regras internacionais.

Após o anúncio, os dois beligerantes começaram a brigar sobre a interpretação da decisão. Para a UE, o Brasil "não pode mais proibir a importação de pneus reformados da UE, enquanto permite a importação do Mercosul, ou permite a importação de pneus usados para serem reformados no Brasil".

Já o governo brasileiro declarou-se "satisfeito". O subsecretário de Assuntos Econômicos do Itamaraty, embaixador Roberto Azevedo, admitiu que, "nas condições atuais", o Brasil não poderia mais importar o pneu reformado do Mercosul, mas que isso pode mudar se os países do bloco tiverem uma política comum de gestão de resíduos.

Na decisão anterior, o painel admitira a importação originária do Mercosul por estimar que o volume de pneus era muito pequeno para ter efeito sobre o meio ambiente no país.

O fato é que isso estimulou pelo menos três empresas brasileiras de reformados a se instalarem no Paraguai, para importar a carcaça européia, reforma-la e vender no Brasil. Agora, a decisão da OMC será discutida dia 17, na reunião de presidentes do bloco. A briga, porém, será dura, porque a indústria de reformados insiste em que "a importação de pneu usado não é proibida pela Constituição".

A decisão de ontem da OMC deve ser implementada num prazo de 60 dias. Na prática, reforçou os interesses dos ambientalistas no Brasil.