Título: Brasil espera que derrota modere Chávez
Autor: Leo , Sergio Leo ; Lyra , Paulo de Tarso
Fonte: Valor Econômico, 04/12/2007, Interncional, p. A13

Derrotado no referendo sobre a reforma na Constituição venezuelana, o presidente Hugo Chávez deixou o governo brasileiro na expectativa do que fará em seguida. E alimenta a esperança, em Brasília, de que esse resultado modere as atitudes belicosas do polêmico parceiro venezuelano. A iniciativa de Chávez, de anunciar publicamente, ainda ontem, que acata o resultado, provocou comentários de alívio nos palácios do Planalto e do Itamaraty. As ameaças veladas feitas por ele, de voltar à carga com o projeto de reforma constitucional, foram minimizadas, como típicas do estilo de Chávez.

"Foi uma decisão da maioria do povo da Venezuela e o próprio Chávez já reconheceu oficialmente o resultado", disse o presidente, segundo relato do ministro da coordenação política, José Múcio Monteiro, ao relatar os comentários feitos por Lula durante a reunião da coordenação política de ontem.

Para Lula, o resultado não chegou a ser uma surpresa, já que a possibilidade de derrota de Chávez era desenhada há algum tempo, especialmente depois da revolta dos estudantes venezuelanos, que tomaram as ruas da capital, Caracas, em protesto contra a reforma constitucional.

"Somos respeitosos da decisão do povo venezuelano; dissemos que o referendo era uma questão interna da Venezuela e isso vale para qualquer resultado", comentou o assessor internacional de Lula, Marco Aurélio Garcia.

"Aqueles no Brasil que achavam que o país não era democrático vão ter de reavaliar o que diziam", afirmou ainda Garcia, para quem o resultado do referendo em nada deve alterar o esforço do governo brasileiro de aprovar no Congresso a entrada da Venezuela como quinto sócio no Mercosul. "O que está para entrar no Mercosul não era a reforma constitucional, é a Venezuela."

Ressalvando que não avaliaria o resultado para não se intrometer em assuntos internos, o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, informou que acompanhou de Brasília o referendo e que considera "bom" para a democracia o modo como "tudo transcorreu pacificamente", inclusive a divulgação do resultado. Chávez "aceitou o resultado de forma elegante e tranqüila", disse o ministro.

Amorim planejava telefonar ainda ontem ao ministro de Relações Exteriores da Venezuela, mas por motivo distinto do referendo. Ao voltar de uma viagem ao México, o ministro fez escala em Bogotá, na Colômbia, e teve um encontro, no aeroporto, com o chanceler colombiano, Fernando Araújo, que lhe explicou a decisão do presidente do país, Álvaro Uribe, de destituir Chávez da função de medidador entre o governo local e os guerrilheiros das Farc, para liberação de reféns mantidos pela guerrilha na selva colombiana. Apesar do rompimento de Chávez, que chegou a insultar Uribe, o governo colombiano manteve relações diplomáticas com a Venezuela, onde permanece o embaixador colombiano no país, disse Araújo.

Chávez, que costuma usar declarações à imprensa para orientar a agenda de discussões políticas, ontem já aparecia nas agências internacionais dizendo-se disposto a voltar à função de mediador, atitude que chamou a atenção em Brasília. Amorim faz questão de dizer que o Brasil não foi convidado, e, portanto, não é intermediário em nenhum esforço de reaproximação entre os governos da Colômbia e da Venezuela. Mas pretendia falar com o chanceler venezuelano sobre sua conversa na Colômbia. Não perderia a oportunidade de sondar os humores do governo da Venezuela, após a derrota de Chávez.

Embora a maioria dos assessores próximos de Lula evite estender nas análises sobre as repercussões da derrota de Chávez, é geral entre os diplomatas a expectativa de que, agora, o venezuelano modere suas ações - ainda que sejam imprevisíveis seus discursos. Para evitar que a reunião do Mercosul, em Montevidéu, dentro de duas semanas, fosse realizada sem nenhuma novidade em relação ao processo de ingresso da Venezuela no bloco, o secretário-geral do Itamaraty, Samuel Pinheiro Guimarães chegou a sondar líderes no Congresso sobre a possibilidade de pôr o tema em votação na Câmara, ainda neste ano. Foi informado que a agenda parlamentar não dá condições para se realizar a votação, que desperta polêmica entre os deputados e senadores.