Título: Lamy quer baixar tensão entre negociadores da OMC
Autor: Moreira , Assis
Fonte: Valor Econômico, 07/12/2007, Brasil, p. A3

O diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), Pascal Lamy, quer restabelecer neste fim de semana um "cessar-fogo" entre Estados Unidos, Brasil, Índia, União Européia e outros países-chave da Rodada Doha, para evitar que trocas de acusações deteriorem mais a a negociação global. Como sempre faz quando a tensão sobe entre países desenvolvidos e em desenvolvimento, Lamy pedirá para os ministros negociarem de maneira racional, em vez de continuar o jogo de empurra e de acusações recíprocas.

O sinal de alerta agora foi deflagrado com a declaração da representante comercial dos EUA, Susan Schwab, comparando Brasil e Índia a "adolescentes" com a primeira carteira de motorista, estimando que pedem muito, mas não fazem concessões.

A primeira reação do Brasil não tardou. O embaixador brasileiro em Genebra, Clodoaldo Hugueney, vê nova tentativa de os EUA culparem outros "por uma impossibilidade de concluir a rodada, que, no fundo, tem a ver com a situação nos EUA". Segundo ele, "o problema desse tipo de declaração é que não ajuda em nada, pois a negociação já é difícil e o que se tem de fazer é haver movimentos, e no caso dos EUA, é se mover no corte de subsídios agrícolas".

Hugueney disse que está acontecendo o contrário, com EUA e UE apresentando propostas maximalistas em praticamente todas as áreas, incluindo industrial, meio ambiente e serviços. "Todo mundo é contra", afirmou. O embaixador advertiu que "achar que a OMC ainda é a organização dos anos 50, controlada só por eles (países desenvolvidos), é não entender a evolução no sistema comercial".

Lamy participa sábado e domingo, em Bali, de reunião de comércio e clima com os ministros Celso Amorim, Kamal Nath, da Índia, a representante americana, Susan Schwab, e outros, convocada pela Indonésia. Mas a Rodada Doha estará inevitavelmente nas conversas, e também esse tipo de declaração de Schwab. Vários negociadores lamentaram "sua falta de senso político", enquanto outros acham que ela reflete a descrença americana em um acordo na rodada.

Pierre Pettigrew, ex-ministro de Comércio do Canadá, notou que os emergentes estão "mais e mais a favor da abertura comercial, levando em conta os problemas trazidos pela globalização". E que a preocupação maior com protecionismo é nos países industrializados, diante da resistência da opinião pública.

Amrita Narkilar, professora de Cambridge e Oxford, prepara um livro sobre "as potências emergentes nos regimes internacionais". Ela destaca a importância do G-20, o grupo liderado pelo Brasil na negociação agrícola, como coalizão estável de países em desenvolvimento com significado "simbólico e prático" importante nas negociações.

Outros analistas alertam que a crescente influência do Brasil e da Índia é acompanhada por insatisfação de alguns pequenos países. Costa Rica, por exemplo, não cessa de se chocar com representantes brasileiros na OMC. A tensão sobe sempre que se aproxima alguma decisão na OMC, como os novos textos de negociação agrícola e industrial, previstos para janeiro. Antes, cada um procura criar espaço para negociar mais de acordo com seus objetivos.

Em outubro, Schwab e Peter Mandelson, da União Européia, acusaram o Brasil, Índia, África do Sul e Argentina de empurrarem Doha para o fiasco, por supostamente resistirem à liberalização industrial, deflagrando um bate-boca público. A delegação brasileira considerou que os dois elefantes do comércio mundial tinham quebrado o "cessar-fogo" recomendado por Lamy e acusou Washington e Bruxelas de fazerem "propaganda" e demandas injustas, irracionais e irrazoáveis.