Título: Rumo da inflação causa polêmica
Autor: Lamucci , Sergio
Fonte: Valor Econômico, 12/12/2007, Brasil, p. A2

Depois de terminar 2006 em 3,14%, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) ganhou terreno neste ano, acumulando alta de 4,2% nos 12 meses terminados em novembro. Ninguém prevê uma trajetória explosiva para a inflação nos próximos meses, mas o comportamento recente do IPCA causa grandes divergências entre os economistas. Os mais otimistas avaliam que a alta dos preços se concentra basicamente nos alimentos. O fenômeno seria localizado e passageiro, permitindo ao Banco Central (BC) retomar os cortes da taxa Selic no primeiro semestre de 2008. Os mais pessimistas vêem um aumento de preços mais disseminado, que já refletiria pressões de demanda causadas pelo ritmo aquecido da economia, num ambiente de elevado uso da capacidade instalada. Entre os mais cautelosos, há quem veja a Selic inalterada ao longo de todo o ano que vem. O centro da meta de inflação é de 4,5% em 2007 e também em 2008.

O que ninguém discute é que o comportamento dos alimentos é a grande fonte de pressão para a inflação neste ano. Os preços do grupo alimentos e bebidas subiram 9% de janeiro a novembro, um grande salto em relação ao 1,2% de todo o ano passado.

A importância e a natureza do fenômeno, no entanto, dividem os analistas. Para o secretário de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda, Nelson Barbosa, a inflação de 2007 foi basicamente provocada pelos alimentos, "puxada pela elevação nos preços internacionais de produtos como carne, frango, trigo, milho e soja e por clássicos choques de oferta (com redução na produção e aumento no preço), como o feijão agora e o leite no terceiro trimestre. No caso do leite, houve também uma elevação dos preços internacionais". Da alta de 4,2% do IPCA nos 12 meses até novembro, 1,87 ponto percentual foi de responsabilidade do grupo alimentos e bebidas, diz ele.

O ex-diretor do BC Alexandre Schwartsman, economista-chefe para a América Latina do ABN Amro, tem uma visão bastante diferente. Para ele, a elevação das cotações dos alimentos é um choque de demanda, porque há uma expansão simultânea, na maior parte dos casos, de preços e quantidades dos produtos. Segundo Schwartsman, como o Brasil é um exportador de muitas commodities agropecuárias, mesmo quando há alta das cotações no mercado internacional provocada por um choque de oferta, os produtores domésticos percebem o movimento como um aumento da demanda. Schwartsman vê ainda uma alta mais disseminada da inflação. Os preços dos itens do IPCA não-comercializáveis internacionalmente (como serviços pessoais e aluguéis) acumulam alta de 5,9% nos 12 meses até novembro. No ano passado, essa alta foi de 3,9%. O comportamento desses itens seria um sinal de que a demanda começa a pressionar a inflação. Por não serem afetados diretamente pelo câmbio, esses produtos são pouco ou nada expostos à competição das importações. Schwartsman diz ainda que mesmo os "tradables", que registravam alta de 0,8% nos 12 meses até outubro de 2006, acumulam 4,1% na mesma medida de comparação até novembro deste ano, apesar de o câmbio ter se valorizado bastante no período.

O economista Raphael Castro, da LCA Consultores, afirma, porém, que a maior parte da alta dos tradables é explicada pela variação dos alimentos. Os alimentos comercializáveis subiram 8,44% nos 12 meses até novembro, enquanto os preços dos tradables, excluindo alimentos, tiveram alta de 1,97%. Também nesse grupo do IPCA, eles é que seriam os grandes culpados pela alta dos preços. Castro aposta num IPCA de 3,3% no ano que vem, abaixo dos 4,1% esperados para este ano. Para ele, os preços dos alimentos, que devem subir algo como 10% em 2007, terão alta de 5% em 2008 e o câmbio deve continuar a se valorizar, encerrando o ano que vem em R$ 1,70. Castro acredita também que a maturação dos investimentos em curso na economia vai reduzir os níveis de ocupação da indústria nos próximos meses. Com isso, o BC poderia voltar a cortar juros em 0,25 ponto percentual em abril de 2008. A Selic, hoje em 11,25% ao ano, terminaria o ano que vem em 10,25%.

O economista Paulo Miguel, da Quest Investimentos, tem uma posição intermediária entre Schwartsman e Castro. Ele acha que a inflação inspira cuidados, mas acredita que o IPCA deverá continuar correndo abaixo do centro da meta em 2008, projetando alta de 4,1%. Miguel diz que os alimentos deverão subir menos do que em 2007, apostando também num câmbio mais ou menos estável nos atuais níveis até o fim do ano. Isso é importante para manter em alta as importações, o que tem sido fundamental para manter a inflação sob controle. Um ponto preocupante, segundo ele, é que todos os componentes da demanda doméstica - consumo das famílias, consumo do governo e investimento - crescem com força.

O forte ritmo de expansão da demanda doméstica, num cenário de capacidade instalada no limite, é que faz Schwartsman ser tão cauteloso quanto à inflação. Ele projeta um IPCA de 4,3% em 2008, e não descarta que o indicador fique acima do centro da meta. Schwartsman aposta na manutenção da Selic nos atuais 11,25% até o fim do ano que vem, considerando mais provável uma alta do que uma queda da Selic nesse período. As medidas de núcleo subiram de patamar nos últimos meses, diz ele. O indicador calculado pela exclusão de preços administrados e alimentos ficou em 0,4% em outubro e 0,37% em novembro. Em setembro, estava em 0,25%. Os núcleos não sugerem uma inflação fora de controle, mas estão em alta. Já Miguel acredita na retomada dos cortes dos juros em 2008, embora admita que há mais incertezas.