Título: Lula prevê crescimento de 6,5%, em 2008, mesmo sem a CPMF
Autor: Lyra , Paulo de Tarso
Fonte: Valor Econômico, 21/12/2007, Política, p. A6

Lula brinca de fotógrafo, durante café da manhã com jornalistas: "Não se toma decisão com febre alta. Nenhuma medida é certa quando é feita por vingança" O presidente Luiz Inácio Lula da Silva assegurou ontem, durante café da manhã com jornalistas que cobrem diariamente a Presidência da República, que o crescimento econômico previsto para esse ano vai se repetir de forma mais acentuada em 2008 e 2009. Se as previsões do mercado se confirmarem, a taxa de 2007 deve ficar em torno dos 5%. Para o ano que vem, Lula arriscou que esse percentual possa chegar até 6,5%. Lula acha possível atingir esse resultado mesmo com a crise americana e a necessidade de recompor os R$ 40 bilhões perdidos pelo governo com a derrota da CPMF no Senado.

Segundo o presidente, o Brasil encerra o ano numa rota ascendente, sem crises políticas pela frente, o que permite a previsão de um futuro melhor. Lula disse que, mesmo que o crescimento desse ano não chegue aos 5%, "ele chegará após a revisão do IBGE". E apostou que 2008 vai crescer mais que 2007, e 2009, mais que 2008. O presidente criticou os especialistas que, muitas vezes, apontam que o país não vai crescer no ritmo esperado pelo governo - na última terça, o ex-presidente do Banco Central, Armínio Fraga, em entrevista ao Valor disse que em 2008 o PIB crescerá só 3%. "Muitos desses especialistas erraram nas previsões, podem checar nos artigos publicados nos jornais".

Disse à imprensa: "Vocês me criticaram quando, em 2003, eu anunciei, em um evento da Ford, o espetáculo do crescimento. Passei 2004 inteiro apanhando. E o que aconteceu? Em 2004, crescemos 5,7%. Ninguém pediu desculpa. A palavra desculpa não existe no dicionário da imprensa".

Lula enfatizou sua preocupação com a crise americana, a "tal subprime", que ainda não atravessou o Oceânico Atlântico, mas que também ninguém sabe dizer até onde vai chegar. "É a única coisa que está me deixando de antena ligada nesse final de ano. Eu pedi ao Mantega (ministro da Fazenda) e ao Meirelles (presidente do Banco Central) para acompanhar esse assunto 24 horas por dia". Lula afirmou que a crise imobiliária - ainda concentrada nos Estados Unidos e na Europa - começou nos bancos de desenvolvimento e hoje abala instituições econômicas importantes, como o Citibank e o Deutsche Bank. "Ela surgiu pela ação irresponsável de alguns especuladores que achavam que estavam em um cassino", criticou o presidente.

Sobre a CPMF, o presidente disse que não perdeu "nem meio minuto de sono" após a derrota no Senado. Falou que não estava nervoso e classificou de "ledo engano" quem achava que estava derrotando o governo. "Alguns achavam que, se aprovassem a CPMF, o presidente ficaria muito forte e elegeria seu sucessor em 2010. Isso é uma pobreza de espírito, que dá pena", lamentou Lula.

Em relação às medidas para compensar as perdas de arrecadação, Lula disse que uma das recomendações aos ministros foi abolir o termo pacote. "Eu tenho ojeriza à palavra pacote. O Brasil já teve vários pacotes econômicos que deram errado. Prefiro comprar as coisas, unidade por unidade", brincou ele. O presidente também afirmou que optou por não anunciar as coisas nesse fim de ano porque todos estão "pensando na confraternização do Natal".

Lula não adiantou qualquer medida. Foi evasivo ao comentar a possibilidade de aumentos nas alíquotas de alguns impostos. "Se eu disser que pode ou não pode, vocês vão escrever que o presidente admite... as decisões serão tomadas só em fevereiro, mas, se for preciso, podemos tomar algumas medidas emergenciais, administrativas, antes". Desde a derrota da CPMF, cogitou-se em reajustes do IOF, CSLL, PIS e Cofins, dentre outros. Lula justificou a calma, dizendo que aprendeu, com o passar do tempo, a medir as palavras e a ser mais zen. "Não se toma decisão com febre alta. Nenhuma medida é certa quando é feita por vingança", filosofou o presidente.

Lula disse que, em determinado momento, quando os líderes da base queriam mais uma semana para dialogar, deu a ordem para votar, ganhando ou perdendo. "O país não podia ficar mais remoendo aquela história, tínhamos de virar a página". O presidente admitiu que o PAC da Saúde - que tinha 30% de seu orçamento dependente diretamente da CPMF - está travado. Prometeu, no entanto, que haverá recursos para os programas sociais e para o PAC original, dizendo que o país vai se transformar em um canteiro de obras no ano que vem. "Se tiver alguma gordura para queimar, a gente faz uma dieta cetônica" (exclusão dos carboidratos).

O presidente aproveitou a entrevista para defender enfaticamente o ministro da Fazenda, Guido Mantega. Desgastado pelas fracassadas negociações da CPMF e desmentido reiteradas vezes na última semana em relação às medidas que serão tomadas daqui para frente, Mantega balançou e especulações em Brasília chegaram a apontá-lo como carta fora do baralho da Esplanada. A bolsa de apostas foi extinta ontem pelo presidente. "O Mantega? Ele fica. Parceiro de 30 anos, companheiro extremamente competente. É o mesmo que o Corinthians ter goleado por 5 a 0 o Grêmio e quererem trocar o técnico. A economia está boa, os números mostram isso", defendeu o presidente.

Lula não poupou de críticas o Bispo da Barra (BA), Dom Luiz Cappio, que faz há 24 dias uma greve de fome contra o projeto de transposição do Rio São Francisco e sofreu desmaio e foi internado, anteontem. Segundo o presidente, esse é o projeto mais humanitário de seu mandato. "Só quem já carregou lata d'água na cabeça e viu a cabritinha morrer sabe o que é a seca", disse o presidente. Lula lembrou que, em 1980, quando foi preso, enquadrado na Lei de Segurança Nacional, fez uma greve de fome que durou seis dias, junto com outros 13 companheiros.

E foi convencido pelos companheiros da Igreja Católica do erro que estava cometendo. "Eu aprendi que só Deus pode dar e tirar a vida. Acho que esse é um preceito que deve servir de base para todos, ainda mais aqueles que são cristãos". Lula disse que o Estado não pode mudar seus planos a reboque de manifestações individuais. "Se o Estado ceder, o Estado pára". O presidente acrescentou que todas as medidas para revitalização do São Francisco estão sendo tomadas, como obras de saneamento às margens do rio, recuperação das matas ciliares, dentre outras ações. "A Igreja não se mete em questões técnicas, espero que o bispo tenha juízo. Entre a greve de fome de uma pessoa e a necessidade de 12 milhões de nordestinos, eu fico com os 12 milhões".

O presidente também fez uma rápida avaliação dos vizinhos sulamericanos, classificando Chávez de "bom negociador" e apostando que Evo Morales fará um bom governo, apesar de "ser vítima de preconceito da elite branca e de olho verde que sempre governou a Bolívia".