Título: A Tupi e o arcabouço regulatório brasileiro
Autor: Cunha, Amanda L.
Fonte: Valor Econômico, 06/02/2008, Legislação, p. E2

A descoberta da reserva de Tupi, se confirmada, colocará o Brasil entre os maiores países produtores de petróleo do mundo. Apesar de alguns percalços e tropeços, o senso geral é o de que o regime regulatório concernente às atividades de exploração e produção tem se mostrado eficiente na atração de investimentos nacionais e estrangeiros para o setor, notadamente em razão da estabilidade jurídica alcançada. Contudo, não há que se perder de vista que o regime atualmente em vigor foi concebido à luz de um cenário de alto risco exploratório. A descoberta em apreço, contudo, altera este contexto e abre espaço para a discussão de um novo marco regulatório para as atividades de exploração e produção no Brasil.

O modelo brasileiro enquadra-se na categoria chamada de "royalty/tax", normalmente empregada em áreas de elevado risco exploratório. Firmado o contrato de concessão, o concessionário assume integralmente o risco exploratório, não fazendo jus a qualquer remuneração por parte da União. Em contrapartida, caso obtenha êxito, será ele o único proprietário da produção, sujeito, obviamente, ao pagamento das participações governamentais, com destaque para os royalties e a participação especial, tal como previstos na Lei do Petróleo e no decreto das participações. É o que dispõe o artigo 26 da Lei do Petróleo, cuja constitucionalidade foi declarada pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

O primeiro sinal dado pelo governo sobre a possibilidade de modificações no atual marco regulatório foi a publicação da Resolução nº 6, de 8 de novembro de 2007, do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), retirando 41 blocos de alto potencial da Nona Rodada de Licitações da Agência Nacional do Petróleo (ANP). Confrontado com uma descoberta de tamanha magnitude, parece prudente que o governo decida por avaliar suas conseqüências e traçar um plano de ação, se não por outras razões, pelo menos para que se evite o risco de unitização, situação em que, resumidamente, uma jazida de petróleo ou gás se estende para um bloco adjacente à área de concessão. Todavia, apesar do aparente sucesso da nona rodada, foi sentida a ausência dos grandes players do setor.

A expectativa é que as áreas circundantes à descoberta de Tupi sejam oferecidas futuramente sob condições específicas, mormente uma alíquota maior de royalties e participação especial. No caso da participação especial, que tem sua alíquota fixada no decreto das participações, tal providência ensejaria tão-somente a promulgação de um decreto presidencial, diferentemente dos royalties, cuja alíquota encontra-se determinada na Lei do Petróleo. Todavia, antes de decidir por aumentar os encargos incidentes sobre as atividades de exploração e produção, deverá o governo considerar cuidadosamente os custos envolvidos nestas atividades na faixa do pré-sal, uma área de fronteira tecnológica e que enseja o emprego de vultosos recursos. Assim, as autoridades governamentais devem estar atentas para que futuras medidas não acabem por inviabilizar a exploração nesta área.

-------------------------------------------------------------------------------- O governo reiterou a rigorosa observação dos direitos adquiridos e atos jurídicos relativos às concessões em vigor --------------------------------------------------------------------------------

Especula-se ainda que um novo modelo, baseado no sistema de partilha de produção, será aplicado às áreas de pré-sal. O contrato de partilha de produção é normalmente empregado em países em que a companhia estatal é integralmente do Estado. Resumidamente, a companhia estatal celebra, em nome do governo, contratos com outras empresas do setor para a execução de atividades exploração e produção de petróleo e gás, cabendo-lhe, outrossim, a fiscalização e supervisão destas atividades. Outrossim, são formadas associações entre a estatal e essas empresas, atribuindo-se àquela uma participação no empreendimento, bem como na produção. Neste contesto, a estatal não só se apresenta como um agente de mercado, mas também como um ente responsável pela regulação do setor, em uma indesejável acumulação de papéis.

A este respeito, revela-se digno de nota que Constituição Federal não dispõe sobre o tipo de contrato a ser empregado pela União com vistas à contratação das atividades de exploração e produção de petróleo e gás. Conforme ressaltado pelo Supremo, esta é uma decisão política, que não se encontra no texto constitucional. Portanto, a princípio, a substituição do contrato de concessão pelo de partilha de produção, por si só, não ensejaria a modificação da Constituição, mas tão-somente da Lei do Petróleo, que é uma lei ordinária, a qual sequer requer quorum qualificado para sua alteração.

Entretanto, caso seja adotado o regime acima destacado, não caberá a atribuição direta, sem licitação, à Petrobras, dos respectivos direitos de exploração e produção de petróleo e gás na área do pré-sal. Primeiramente, estabelece o constituinte que as sociedades de economia mista, como é o caso da Petrobras, sujeitam-se ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais e tributários. Por oportuno, vale mencionar que aproximadamente 40% do capital social da Petrobras encontra-se nas mãos de investidores estrangeiros, grande parte deles titulares de ADRs, sendo a Petrobras listada na Bolsa de Nova Iorque. Em consonância com a Carta, prescreve a Lei do Petróleo que deverá a Petrobras atuar em caráter de livre competição com outras empresas, em função das condições de mercado. Ademais, determina a Constituição a realização de um procedimento licitatório para a contratação de obras, serviços, compras e alienações pela administração pública, assegurando-se igualdade de condições a todos os interessados.

Finalmente, nada obstante as considerações aqui feitas, mostra-se imprescindível o respeito aos contratos atualmente em vigor e aos investimentos feitos no país, qualquer que venha a ser o posicionamento adotado pelo governo. Neste sentido, reiterou o governo, por intermédio da citada Resolução nº 6, a rigorosa observação dos direitos adquiridos e atos jurídicos perfeitos relativos às concessões em vigor.

Amanda L. Cunha é advogada especialista em direito do petróleo e gás do escritório Araújo e Policastro Advogados no Rio de Janeiro

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