Título: Brasil desdenha "sobremesa dos ricos"
Autor: Moreira, Assis
Fonte: Valor Econômico, 28/01/2008, Brasil, p. A5

Silvia Costani/Valor O secretário-geral da OCDE, Angel Gurria, defende a integração plena dos emergentes ao G-8, com a criação do G-13. O Brasil já avisa na cena internacional que este ano só irá à reunião de cúpula do G-8, espécie de diretório econômico do planeta, se o formato para sua participação refletir a nova realidade de poder dos emergentes.

De acordo com uma fonte do governo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva comentou com o primeiro-ministro da Índia, Manmohan Singh, que se recusa a comparecer só para "comer a sobremesa dos ricos" - ou seja, sem capacidade de influência.

O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, disse que o Japão, que organiza o encontro do G-8, de 7 a 9 de julho, indicou que pretende convidar o G-5 (Brasil, China, Índia, México e África do Sul), mas sem detalhar até agora em qual formato. "Já dissemos a nossa condição para participar".

O G-8 é formado pelas sete maiores economias industrializadas - Japão, Estados Unidos, Alemanha, Grã-Bretanha, França, Canadá, Itália - e pela Rússia. Nos últimos anos, os cinco grandes emergentes foram convidados para uma pequena parte da cúpula, por iniciativas de França, Inglaterra e Alemanha. Isso depende de fato da boa vontade de quem organiza o evento. Quando foi sua vez, os EUA fecharam a porta para os emergentes.

Mas a pressão, em todo caso, aumenta em favor dos emergentes. Em entrevista ao Valor, o secretário-geral da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), Angel Gurria, disse que já propôs aos ricos a integração plena "o mais rápido possível" do G-5 e a conseqüente criação do G-13.

Em carta que enviou no fim do ano passado a chanceler alemã Ângela Merkel, então na presidência do G-8, ele defendeu que os cinco emergentes passem a "assistir a todo o almoço e não apenas à sobremesa" do encontro anual dos ricos. Para Gurria, no formato atual a cooperação entre ricos e emergentes é insuficiente para garantir coerência na gestão política da globalização, e refletir a nova realidade geopolítica. "Os cinco emergentes precisam participar da agenda, do conteúdo, das conclusões e do segmento do G-8", defendeu. "Não se pode mais abordar os temas do G-8 sem o G-5 e do G-5 sem o G-8".

O primeiro-ministro da França, François Fillon, também foi enfático em discurso em Davos: "Nosso mundo precisa de regulação e de equilíbrio. Por isso, é preciso reformar as instituições multilaterais. A França fará tudo para que o G-8 se torne progressivamente um G-13. E continuará a lutar para que a Alemanha, Japão, Brasil, Índia se tornem membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas, com uma representação eqüitativa do continente africano. O FMI e o Banco Mundial devem ser revistos, para reforçar a voz dos países em desenvolvimento em troca de uma maior aceitação desses por disciplinas coletivas".

A Alemanha, sob a liderança de Ângela Merkel, deflagrou um diálogo permanente com o G-5, para integrá-lo mais na governança global. Recentemente, foi criado um secretariado na OCDE, sob a direção de um funcionário alemão, para os dois grupos tratarem de quatro temas de atualidade da cena econômica mundial: investimentos, energia, inovação e desenvolvimento. Os países emergentes terão mais voz, mas também terão mais responsabilidades.

A precaução do Brasil sobre sua participação no banquete dos ricos deve-se ao quase desastre diplomático ocorrido na reunião do G-8 na Alemanha, no ano passado, justamente quando Merkel lançou a iniciativa para integrar mais os emergentes.

Antes mesmo da reunião entre os dois grupos, a Alemanha divulgou as conclusões do encontro, sem levar em conta as posições dos emergentes. Isso causou enorme mal-estar e desconfiança, sobretudo porque no centro do debate estava a questão da responsabilidade de cada um no combate ao aquecimento do planeta, que tem a ver com competitividade econômica, desenvolvimento e transferência de tecnologia.

Em Davos, o primeiro-ministro japonês Yasuo Fukuda não abordou como vai organizar o encontro de cúpula do G-8. Mas informou que o foco central de sua agenda será o combate às mudanças climáticas. Para isso, anunciou um fundo japonês de cinco anos com US$ 10 bilhões para ajudar países em desenvolvimento nesse setor.