Título: Reflexo sobre o Brasil será marginal, diz Setubal
Autor: Carvalho, Maria Christina
Fonte: Valor Econômico, 28/01/2008, Finanças, p. C6

Marisa Cauduro/Valor Roberto Setubal, presidente do Banco Itaú: "O Brasil não tem mais a vulnerabilidades que tinha no passado" A crise internacional desencadeada pelo estouro da bolha das hipotecas de alto risco nos Estados Unidos deve levar ainda o ano todo de 2008 para ser digerida. A previsão é do presidente do Banco Itaú, Roberto Setubal.

Para ele, a economia brasileira será afetada, mas apenas marginalmente porque, afinal, o país está inserido no mundo e o preço das exportações sofrerá os efeitos da crise. Pode haver ainda reflexo no crédito. Por conta do contágio global, espera que o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) diminua meio ponto, para cerca de 4,5%, "o que é bastante". Já a variação do PIB americano deve cair de 3% a 3,5% para 1%,

O impacto não será maior porque o Brasil está agora relativamente blindado a crises externas. "O Brasil não tem mais a vulnerabilidades que tinha no passado. Agora, a conta corrente, a parte fiscal e macroeconômica são favoráveis", explicou.

Setubal afirmou que, o Brasil consolidou, ao longo dos últimos anos, uma política macroeconômica que vem dando bons resultados, combinando metas inflacionárias, câmbio flutuante e superávit primário. "A existência de uma política confiável gera disposição de investir e de se endividar. O Brasil tem que perseverar nesse caminho".

Para o banqueiro, "se estamos hoje vivendo um boom na área de automóveis é porque há confiança de que as variáveis estão sob controle nos próximos três anos. Temos que estender isso para horizontes mais longos. Precisamos ter a confiança de que no futuro, quem quer esteja no governo, na Fazenda e no BC, teremos também níveis de inflação baixa, o que vai permitir que, ao longo do tempo, tenhamos juros cada vez menores".

O Banco Central (BC) tem um papel relevante nisso. "Acho surpreendente que o BC seja criticado por manter os juros elevados e pelo câmbio. A política cambial tem sido bem conduzida e os resultados são bons. Na política monetária, acontece o mesmo. O índice de acerto do BC é elevadíssimo, apesar das críticas de políticos e técnicos".

Para Setubal, 2007 é um bom exemplo: "O BC foi muito criticado quando reduziu o ritmo de corte dos juros e, depois, quando interrompeu as reduções. Mas a inflação acabou ficando na meta. Tudo indica que foi bem acertado quando parou".

O banqueiro não vislumbra queda das taxas a curto prazo, neste ano, por causa da crise internacional. O mais provável, acredita, é a manutenção dos níveis atuais de juros, como ocorreu na primeira reunião do ano do Copom, na semana passada. "A perspectiva não é de elevação ainda. É improvável", disse.

A estabilização econômica, disse, é um processo de construção. "Acho que percorremos a parte inicial que é a mais difícil. Estamos agora percorrendo a parte intermediária, também difícil. Passamos pela parte política que também foi relevante. Se olharmos para trás, tanto o presidente Fernando Henrique Cardoso quanto o presidente Lula foram reeleitos em momentos em que a inflação estava muito baixa. Isso mostra o quanto o povo aprecia uma inflação baixa. Isso é mais eloqüente do que qualquer teoria. Acho os políticos perceberam depois do Plano Real os benefícios da inflação baixa, não só do ponto de vista de voto, mas também macro. Isso é importante institucionalizar certas questões econômicas que são premissas e não estão sujeitas a discussões".

Nesse cenário, estranhou a elevação do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) dos bancos no início do ano, justificada pelo governo como compensação pela extinção da Contribuição Provisória sobre a Movimentação Financeira (CPMF). As críticas de Setubal recaem sobre a forma como a elevação foi decidida e até mesmo duvida se os aumentos eram necessários.

"Fazia tempo que a gente não tinha no Brasil um pacote fiscal de surpresa, feito da noite para o dia, sem discussão com os segmentos envolvidos, sendo que alguns dias antes o ministro havia dito que não haveria surpresas. Vínhamos nos acostumado com a estabilidade de regras", disse.

Além disso, acrescentou, há a dúvida se havia a necessidade de se aumentar os impostos. Em 2007, houve um superávit fiscal de R$ 17 bilhões por causa do forte aumento de arrecadação. Para 2008, o governo reconheceu que espera arrecadação adicional de R$ 20 bilhões, não incorporada no orçamento anteriormente. O número pode ser maior. A relação dívida/PIB, que chegou a atingir 55% no pico, recuou atualmente para a faixa de 43% do PIB, mesmo com uma redução mínima dos gastos.

Por outro lado, a CPMF era para ser provisória pois nasceu em um momento extremo de necessidade fiscal, que hoje não existe mais. O problema fiscal está equacionado no setor público. Para Setubal, a questão poderia ser resolvida com o corte de despesas e também a melhoria da arrecadação e combate à sonegação.

O principal problema, ressaltou, é o impacto negativo "no principal instrumento que está alavancando a economia, o crédito. Quando se compra um cigarro ou combustível, as fábricas e petroleiras recolhem uma montanha de impostos, mas quem está pagando é quem compra o cigarro ou a gasolina. O mesmo acontece quando a pessoa pega um crédito. E todos concordam que o custo do financiamento já é elevado no Brasil".

Em vista disso, a expectativa do mercado é de uma expansão menor do crédito dos bancos neste ano. Segundo o presidente do Itaú, se o crescimento da carteira fosse maior, a redução do spread também seria maior, com benefícios para os tomadores de crédito.