Título: Obama e o momento Sputnik
Autor: Carlos, Newton
Fonte: Correio Braziliense, 02/02/2011, Opinião, p. 17

Jornalista

A liderança dos Estados Unidos no mundo, depois do naufrágio do império soviético, do colapso da ¿ameaça comunista¿, tem sido destaque na retórica de Barack Obama. Na sua primeira viagem à Ásia, depois de eleito presidente, ele disse que a surra levada pelos democratas, de seu partido, nas eleições parlamentares de novembro, não reduziria a capacidade do país de defender seus interesses. Os EUA continuariam dispondo de um peso em geral visto como absoluto. Mas Obama não deixou de acender uma luzinha vermelha. Embora continuem com a economia mais potente e um aparato militar de primeira grandeza, a Casa Branca já não tem como ditar as maneiras como os países devem se comportar.

Especialistas em Oriente Médio fazem a seguinte pergunta: por que os Estados Unidos e a Europa apoiam a revolução verde no Irã e vivem de braços dados com ditadores árabes? Kadafi, no poder há 41 anos na Líbia, ficou de ficha limpa porque abriu à inspeção seu programa nuclear, de pouca importância. Não hesitou, no entanto, em usar a TV estatal para lastimar a queda da ditadura na Tunísia. Washington encarou com dificuldade o assédio popular à ditadura do Egito, que recebe ajuda militar maciça dos Estados Unidos, só menor, no Oriente Médio, do que a dada a Israel. No discurso anual no Congresso, Obama voltou ao assunto, dando como receita o que os Estados Unidos devem fazer para manter a liderança mundial.

Falou de um ¿momento Sputnik da nossa geração¿, lembrando que Kennedy assumira a Presidência americana quando a ex-União Soviética colocou em órbita o primeiro satélite artificial. Os Estados Unidos reagiram e mandaram os primeiros seres humanos à lua. Se Obama quer um novo ¿momento Sputnik¿ é porque considera em cheque a liderança dos Estados Unidos no mundo. Há toda uma história em movimento, a dos impérios que terminam caindo, a começar pelo romano. Phillip Parker, autor de O império termina aqui, ou o ¿imperium sine fine¿, lema adotado pelos romanos, diz ter encontrado rescaldos de mais de cinco séculos de presença romana em 21 países modernos, das tempestades de gelo da Suíça aos 45 graus centígrados do deserto de Dakleh, no Egito. Cobriam mais de 20 mil quilômetros quadrados. E tudo isso ruiu.

Ambições de tornar-se uma Roma moderna são questionadas em estudos que procuram mostrar que o poder teve e sempre terá limites e já não existe lugar no mundo para o que pretendiam os neoconservadores americanos, a turma do Bush, em sua busca de um ¿novo século americano¿. O vice de Bush, Dick Cheney, que disse que teria amparo divino uma eventual postura imperial dos Estados Unidos, foi acusado de pisotear a ¿alma americana¿, ou a ideia de um país que respeita as leis interna e externamente. A prova mais evidente disso foi uma nova interpretação da Convenção de Genebra. Ela determina tratamento humano a prisioneiros de guerra.

Criou-se nos porões de Washington, como componente da guerra ao terror, a figura do ¿inimigo combatente¿, não protegido, segundo a turma de Bush, pelas leis internacionais. Foram até grampeados telefones de cidadãos americanos, instaladas prisões secretas e sabe-se mais o quê. As luzes imperiais dos Estados Unidos já se ofuscam, sugere seu primeiro presidente negro. Resta determinar que tipo de nova organização planetária se instalará num universo autodestrutivo, às voltas com alterações climáticas e outras mazelas pesadas. Os movimentos de acomodação dos Estados Unidos a novas situações serão abruptos? Ou suaves?

Obama diz que as crises internacionais devem ser resolvidas pelo Conselho de Segurança da ONU. Afinal viria a adoção de um internacionalismo sério, no lugar do unilateralismo de Bush? A suposição entre especialistas é a de que, com Obama, o declínio, já perceptível, como se viu com o sepultamento no Iraque do ¿novo século americano¿, se processará de modo suave, mas irreversível. Resta saber se a própria ONU está preparada para empunhar a bandeira de um internacionalismo autêntico. Especialistas dizem que isso só acontecerá se for adotada a parlamentarização. O núcleo do poder, com a tarefa de cuidar da paz e da ordem no mundo, no qual cinco países com assentos permanentes podem vetar qualquer resolução, seria transferido do Conselho de Segurança para o plenário da Assembleia Geral. Difícil que os cinco deixem que isso aconteça.

Há outros fatos recentes que reforçam a ideia de que os Estados Unidos precisam mesmo de um novo Sputnick. O islamismo radical alcança a África e o Pentágono tomou providências para a instalação de um Comando Africano, como existe o Comando Sul, voltado para a América Latina. Desistiu diante da resistência de países africanos em aceitar abrigá-lo.