Título: Saída passa por recapitalizar sistema financeiro, diz Araújo
Autor: Lamucci, Sergio
Fonte: Valor Econômico, 18/02/2008, Finanças, p. C8

Num momento em que a atenção da maior parte dos analistas está voltada para o impacto das medidas fiscais e monetárias sobre a economia dos EUA, o economista Aloisio Araújo aponta o foco em outra direção: a importância de ações que levem a uma rápida recapitalização do sistema financeiro. Para o professor da Escola de Pós-Graduação em Economia (EPGE) da Fundação Getúlio Vargas (FGV), essa questão é tão ou mais importante que os estímulos fiscais e monetários, sendo decisiva para que o país consiga evitar uma crise profunda e prolongada.

Quanto ao Brasil, Araújo continua a ver boas perspectivas para a economia, mesmo num ambiente internacional mais adverso. Além de o país estar mais sólido em termos macroeconômicos, ele diz que mudanças microeconômicas ocorridas ao longo dos últimos anos tornaram a economia mais produtiva, permitindo um crescimento a taxas mais robustas.

Araújo lembra que é fundamental manter a saúde do sistema financeiro nos EUA para impedir que haja uma "contração de crédito muito grande". "Isso seria muito ruim para a economia", afirma ele, que também é professor do Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada (Impa). Como as perdas dos bancos com a crise das hipotecas de alto risco (subprime) foram muito fortes, as instituições necessitam de capital para não diminuir significativamente o volume de empréstimos. No quarto trimestre de 2007, por exemplo, o Citigroup teve perdas de nada menos de US$ 9,83 bilhões.

Araújo acredita que o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) já está agindo nessa direção, ainda que não haja muitas informações sobre os passos da instituição esse campo, "até pela própria natureza da situação", que exige sigilo. Para ele, o BC americano atua para resolver eventuais desenquadramentos dos bancos às exigência de capital, forçando as instituições a se recapitalizar.

Além da atuação do Fed, Araújo diz que o próprio mercado também age nesse sentido. A proposta de compra da empresa de financiamento imobiliário Countrywide pelo Bank of America é um sinal disso, assim com as injeções de capital que instituições como o Citigroup e a Merrill Lynch receberam de fundos soberanos de países emergentes. Esse esforço é fundamental para que os bancos não se retraiam, e continuem a conceder empréstimos e financiamentos.

Araújo lembra que há limites para as medidas de estímulo fiscal e monetário à economia. Embora reconheça que é normal os governos adotarem providências fiscais em momentos de crise como o atual, ele as vê com reservas. Um dos problemas é que muitas vezes a qualidade dos gastos é ruim.

O economista diz ainda que as ações de política monetária também ajudam no processo de recuperação dos bancos, por diminuir o custo do dinheiro. A questão é que há limites para os cortes de juros, lembra ele: o Fed tem que evitar, por exemplo, situações como a estagflação - que combina estagnação da atividade econômica com alta dos índices de preços.

Para ilustrar a importância de medidas que tratem da recapitalização do sistema financeiro, Araújo cita a crise japonesa dos anos 90, que fez a economia ficar estagnada por uma década. Ele lembra que o país adotou estímulos fiscais e monetários bastante agressivos, mas não atacou a contento o problema dos bancos, que acumulavam volumes elevadíssimos de créditos podres.

E como fica o Brasil, num cenário de crise nos EUA? Para Araújo, mesmo num mundo mais "interconectado" como o de hoje, o país pode manter bom desempenho, ainda que não vá sair ileso. Para sofrer um baque mais forte, o quadro externo teria que piorar muito, avalia o economista.

Há tempos, Araújo tem uma visão mais otimista sobre o potencial de crescimento do Brasil do que outros economistas ortodoxos como ele. No ano passado, mesmo antes da divulgação da nova metodologia do PIB mostrando que o país crescia a um ritmo superior ao que se pensava, ele já dizia que o Brasil poderia avançar a taxas mais elevadas.

Para Araújo, o país tem condições de se sair razoavelmente bem mesmo num cenário mais adverso da economia global. Além de dizer que o país tem hoje uma situação macroeconômica bem mais sólida do que há alguns anos, ele também destaca o papel de reformas realizadas pelo país desde os anos 90. Ainda que aquém do desejado, mudanças como as privatizações e as alterações institucionais no mercado de crédito melhoraram a eficiência da economia e, com isso, aumentaram as perspectivas de crescimento.

Araújo acha possível que o Brasil cresça neste ano a um ritmo um pouco menor do que os mais de 5% que devem ter sido registrados em 2007, mas não significativamente mais baixo. Ele lembra que a forte importação de bens de capital ocorrida nos últimos anos tornou a economia mais produtiva, embora seja difícil medir o impacto do fenômeno. No ano passado, por exemplo, as compras externas desses produtos aumentaram 35,9%, enquanto a produção doméstica desses bens cresceu 19,5%. A massificação da informática na economia também tem efeitos positivos, difíceis de mensurar.

O aumento do grau de formalização na economia também é positivo, diz Araújo. Isso é importante porque as empresas formais são bem mais produtivas que as informais. Ele destaca ainda o forte aumento do crédito, notando que companhias de pequeno e médio porte começam a ter acesso a empréstimos e financiamentos. Todas essas mudanças têm um impacto positivo sobre o crescimento, que vem se juntar a outras conquistas, como a manutenção da estabilidade econômica desde metade dos anos 90. Por tudo isso, ele acha que o país não está condenado a crescer a taxas baixas. Embora avesso a fazer previsões, não lhe parece um absurdo o país crescer a um ritmo próximo ao registrado em 2007.

Araújo diz, porém, que o país deve insistir no caminho das reformas. O crescimento mais forte atual se dá por causa das reformas feitas no passado, ainda que tenham sido incompletas. Para ele, o esforço reformista deve continuar. Seria importante fazer uma reforma tributária, destaca Araújo. Reduzir os encargos trabalhistas, principalmente para salários mais baixos, poderia ter um impacto bastante positivo, ajudando a aumentar a formalização. Enfrentar a reforma da Previdência também ajudaria, porque melhoraria a solvência estrutural das contas públicas, afirma ele.