Título: Dois graus de distorção
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Fonte: Valor Econômico, 17/01/2008, Opinião, p. A3

A conferência sobre mudanças climáticas organizada pela ONU em Bali será lembrada menos pelo "roteiro" que acabou criando do que por uma colisão conturbada entre os EUA e grande parte do resto do mundo - que manteve os espectadores fascinados. Ativistas ambientais caracterizaram os EUA como "vilão" por resistir à pressão da União Européia (UE) para que se comprometessem preliminarmente com metas específicas de temperatura - ou seja, que o aquecimento mundial deveria ser limitado a não mais do que 2°C acima de temperaturas anteriores à era industrial.

Essa meta tornou-se um verdadeiro mandamento para os ativistas desde que a União Européia (UE) a abraçou, em 1996. A mídia freqüentemente refere-se a ela dizendo que, a menos que seja cumprida, as mudanças climáticas serão muito perigosas para a humanidade. Na realidade, a meta não tem embasamento científico, e a sugestão de que poderíamos atingi-la é absolutamente implausível.

Impedir que as temperaturas subam mais de 2°C exigiria reduções draconianas e instantâneas de emissões - para a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), as reduções teriam de ficar entre 40% e 50% abaixo de sua trajetória esperada em apenas 12 anos. Mesmo se fosse possível negociar um consenso político, o custo seria fenomenal: um modelo estima que o custo mundial total seria de aproximadamente US$ 84 trilhões, ao passo que os benefícios econômicos somariam apenas um sétimo desse montante.

O número suspeitamente redondo de 2°C dá uma pista do fato de que essa meta não se baseia em premissas científicas. O primeiro estudo criticado por colegas que o analisou, publicado em 2007, qualifica-o mordazmente como apoiado em "argumentação fraca, baseado em métodos inadequados, raciocínio frouxo e citação seletiva de um leque muito estreito de estudos".

Seja como for, um limite de temperatura é mais, evidentemente, uma afirmação política do que científica. Fixar um limite significa ponderar custos e benefícios de um mundo com temperaturas em determinado nível, e compará-lo com os custos e benefícios caso viéssemos a baixar o termostato. Esse é um processo intrinsecamente político.

Decidir até que ponto deveríamos deixar as temperaturas subir é como querer "calibrar" quantas pessoas devem morrer em acidentes de tráfego ajustando os limites de velocidade. Não existe um número "cientificamente correto" de mortes no trânsito. Idealmente, o número deveria ser zero. Mas isso exigiria baixar o limite à velocidade de um pedestre caminhando - a um custo imenso para a sociedade.

Tem sido amplamente noticiado que o painel de mudanças climáticas (IPCC, na sigla em inglês) da ONU nos diz que o conhecimento científico mostra que as emissões dos países industrializados deveriam ser reduzidas entre 25% e 40% em torno de 2020. Isso é simplesmente incorreto: os cientistas agraciados com o Prêmio Nobel da Paz e participantes do IPCC são neutros em termos de recomendar políticas.

Apesar disso, muitos jornalistas em Bali reportaram que os EUA tinham rejeitado a base científica da defesa de uma redução de 25% a 40% nas emissões. Eles deploraram o fato de o embasamento científico, no documento final, ter sido relegado a uma nota de rodapé, enfatizando como miopia e interesse próprio nacionais haviam saído vencedores. Mas essa interpretação é simplesmente errada. Se atentarmos para a referência na nota de rodapé de Bali, veremos que o IPCC diz claramente que as emissões deveriam ser reduzidas entre 25% e 40%, se escolhermos a meta baixa da UE, mas entre 0% e 25%, ou menos, se escolhermos uma meta mais alta. Apesar disso, assim como muitos jornais, o International Herald Tribune escreveu que a avaliação do IPCC disse "que o aumento de temperaturas tem de ser limitado a 2°C".

Nosso foco unilateral em reduções nas emissões de CO2 é, a um só tempo, desnecessariamente dispendioso e de êxito improvável. Na cúpula do Rio de Janeiro, em 1992, nos comprometemos a cortar as emissões em torno de 2000, mas ultrapassamos a meta em 12%. Em Kyoto, em 1997, prometemos, para em torno de 2010, cortes ainda mais radicais de emissões, em relação aos quais ficaremos aquém em 25%. Fazer promessas ainda mais ousadas em cima de promessas cada vez mais descumpridas não é o melhor caminho de progresso.

Em vez disso, deveríamos buscar opções de políticas mais inteligentes, como procurar garantir que tecnologias energéticas alternativas a preços razoáveis estejam disponíveis dentro dos próximos 20 a 40 anos. Isso poderia ser conseguido se todos os países se comprometessem em gastar 0,05% do Produto Interno Bruto (PIB) em pesquisa e desenvolvimento (P&D) de tecnologias geradoras de energia não emissoras de carbono. O custo - um montante relativamente pequeno, de US$ 25 bilhões por ano - seria quase dez vezes mais barato do que o Protocolo de Kyoto (e muitas vezes mais barato do que um Kyoto II padrão). Mas multiplicaria por dez os investimentos em P&D em nível mundial.

Além disso, embora a iniciativa viesse a envolver todos os países, os ricos teriam de pagar a maior parcela dos custos. Isso permitiria a cada país focar em sua própria visão de necessidades energéticas futuras, quer isso signifique concentrar-se em fontes renováveis, energia nuclear, fusão nuclear, armazenamento de carbono, conservação de energia ou buscar oportunidades novas e mais exóticas. Isso também evitaria o surgimento de incentivos cada vez maiores para que países pudessem "pegar carona" nos esforços de outros e negociações cada vez mais restritivas de tratados do tipo Protocolo de Kyoto.

Uma discussão sensata de políticas exije que conversemos abertamente sobre nossas prioridades. Freqüentemente, há um forte sentimento de que deveríamos fazer qualquer coisa necessária para amenizar a situação. Mas, na prática, não o fazemos. Em democracias, debatemos quanto gastar em diferentes iniciativas sabendo que não dispomos de recursos infinitos e que, às vezes, jogar mais dinheiro em cima de um problema não é a melhor resposta.

Quando discutimos a questão do meio ambiente, sabemos que restrições mais severas implicarão melhor proteção, mas com custos mais altos. Decidir que nível de mudança de temperaturas deveríamos visar - e como atingi-lo - é uma discussão que deveria envolver todos nós. Mas confundir ativismo político com ponderação científica não será proveitoso.

Bjørn Lomborg, organizador de Consenso de Copenhagen, é autor de "Cool It: The Skeptical Environmentalist´s Guide to Climate Change" (Fique frio: o guia do ambientalista cético sobre mudanças climáticas) e editor de "Solutions for the World´s Problems: Costs and Benefits" (Soluções para os problemas mundiais: custos e benefícios). © Project Syndicate/Europe´s World, 2008. www.project-syndicate.org