Título: Kosovo nasce como um dos países mais pobres da Europa
Autor: Kole, William J.
Fonte: Valor Econômico, 19/02/2008, Internacional, p. A13

É meio-dia de um dia útil, e as máquinas de costura de Krenare Rugova, uma designer de moda em Kosovo, estão estranhamente mudas. Jovem e educada nos EUA, Rugova está tentando construir uma empresa de confecções sofisticadas em sua terra natal. Mas ela não podia trabalhar porque, naquela manhã houve um apagão, o segundo na semana.

"Esses apagões estão me matando", disse ela, enquanto selecionava tecidos em sua oficina em Vucitrn, cidadezinha sem graça e poeirenta, a 40 km ao norte da capital, Pristina. "Eu penso, 'OK, vou terminar todos esses vestido de casamento em uma hora', e então 'zap', cai a luz. É muito frustrante".

Sua dificuldade ilustra só um dos dificílimos problemas econômicos com que se defronta o mais novo país da Europa - um rincão pobre e subdesenvolvido do continente que, advertem especialistas, poderá permanecer dependente de doações por anos a fio.

No momento em que Kosovo busca reconhecimento internacional para sua declaração de independência, feita anteontem, o rumor incessante de milhares de geradores portáteis de eletricidade ameaça encobrir os fogos de artifício comemorativos. E seus problemas vão muito além da rede de eletricidade, tão pouco confiável que apenas manter as luzes acesas pode ser uma batalha diária.

As estradas estão muito esburacadas ou não são asfaltadas. O desemprego está perto dos 50%, e grande parte da mão-de-obra não é instruída. O salário médio mensal é de míseros US$ 220. Sob praticamente qualquer aspecto, Kosovo nasce como um dos países mais pobres na Europa.

O país sequer tem seu próprio código telefônico internacional: Kosovo compartilha o de Mônaco, um remanescente dos dias em que Bernard Kouchner, ministro de Relações Exteriores francês, era o administrador da ONU, e a francesa Alcatel foi escolhida para desenvolver a rede telefônica da região.

"Todo mundo sabe que vai ser difícil", disse Alex Anderson, diretor de projeto para Kosovo do International Crisis Group, entidade com sede na Bélgica e que monitora locais problemáticos nos Bálcãs.

Ibrahim Rugova, falecido líder de Kosovo, costumava presentear visitantes com cristais e outras gemas, como prova de sua inexplorada riqueza mineral. Muitos ironizavam, mas Rugova - parente distante da designer de moda - talvez não estivesse totalmente errado, disse Shpend Ahmeti, diretor-executivo do Grupo de Análise de Políticas, uma entidade de pesquisas e análises em Pristina.

Geólogos envolvido num amplo levantamento dos recursos de Kosovo dizem que a província sérvia tem vastas quantidades de carvão linhito de alta qualidade, além de depósitos de níquel, chumbo, zinco, bauxita e até pequenos veios de ouro que poderiam ser explorados. "Kosovo é mais rico do que julgávamos", disse Ahmeti.

Mas autoridades advertem que, primeiro, Kosovo precisa desesperadamente melhorar sua deficiente infra-estrutura deficiente - destruída pela guerra em 1998-99 entre forças sérvias e rebeldes de etnia albanesa - para que tenha al-guma chance de assegurar um futuro seus 2 milhões de habitantes.

O governo está avaliando propostas, ao custo de US$ 4 bilhões, para a construção de uma usina de eletricidade alimentada a carvão que, segundo as autoridades, poria fim aos apagões. Mas a usina só estaria plenamente operacional em 2012. Oito em cada 10 empresários, disse Ahmeti, citam a falta de energia como seu maior obstáculo, mais do que impostos altos ou corrupção desenfreada.

Num futuro próximo, um Kosovo independente permanecerá fortemente dependente de doações da ONU e da União Européia (UE), que deve realizar uma reunião de doadores em junho.

Em 2007, o orçamento da ONU para Kosovo foi US$ 220 milhões. A economia recebeu apoio de US$ 540 milhões em remessas de dinheiro de kosovares que vivem no exterior, segundo o FMI. É dinheiro sem o qual o jovem país provavelmente não conseguirá se sustentar por muitos anos, ainda.

Kosovo corre o risco de um duro revés econômico com a Sérvia, que se opõe fortemente a sua independência. Cerca de 20% do comércio da região é com a Sérvia.

Apesar disso, Anderson sustenta que a história inédita tem a ver com o potencial de Kosovo, que ele considera formidável. Seu modesto setor de processamento de metais está impulsionando substancialmente sua produtividade. E, com metade da população com menos de 25 anos, há vigoroso potencial de mão-de-obra.

O ateliê de Krenare Rugova, cujas roupas trazem etiquetas "Made in Kosovo", reflete essa tendência. Formada em Nova York, Rugova emprega quase uma dúzia de funcionários, em sua maioria jovens, e espera chegar a 30. De etnia albanesa, ela emprega alguns sérvios. "Desde que saibam costurar, eu não me importo."

"A independência apenas criará mais oportunidades", disse ela. "As coisas vão mudar. Talvez não de imediato. Mas em cinco anos, será um Kosovo diferente."