Título: Brasil não deve escapar de contágio
Autor: Moreira, Assis
Fonte: Valor Econômico, 24/01/2008, Finanças, p. C6

AP Photo / Keystone, Peter Klaunzer Condoleezza Rice, secretária de Estado americana, na abertura do encontro na Suíça: "Nossa economia continuará sendo o motor que dirige o crescimento econômico mundial" A economia dos Estados Unidos deve passar por severa desaceleração, reduzirá a expansão global e inevitalmente afetará o Brasil. A questão é o tamanho do impacto sobre o país. Esse era o sentimento ontem entre certos participantes no Fórum Mundial de Economia em Davos, mesmo antes de as bolsas voltarem a cair drasticamente.

''Se eu fosse presidente do Brasil, me preocuparia'', afirmou um dos chamados profetas do pessimismo, Nouriel Roubini, da consultoria Roubini Global Economics, observando que a melhora do país em parte foi ´´sorte com a a situação econômica até o ano passado favorável. ´´Não há espaço para complacência´´.

O presidente do Banco Central do México, Guillermo Ortiz, advertiu que a crise financeira iniciada nos EUA já está contaminando outros mercados e que os ''spreads'' de emergentes começam a sofrer.

Apesar disso, a secretária de Estado americana, Condoleezza Rice, também presente ontem no Fórum Econômico Mundial, em Davos, se mostrou otimista com as perspectivas da economia dos Estados Unidos. "Nossa economia continuará sendo o motor que dirige o crescimento econômico mundial", afirmou às agências internacionais.

"A economia dos EUA é resistente, sua estrutura é sólida e seus fundamentos a longo prazo são saudáveis", assinalou Rice.

Os debates em Davos confirmaram, porém, que é grande a incerteza sobre o futuro econômico global e que o risco aumenta. E, nesse cenário, a tese do ''descasamento'' ("decoupling") voltou a sofrer rudes golpes. A idéia é de que os Bric - Brasil, Rússia, Índia e China - tem suas próprias fontes de crescimento e seriam relativamente imunes a uma recessão nos Estados Unidos. Emergentes com vínculos mais fortes com os EUA, como México e Coréia do Sul, podem sofrer drasticamente, mas se China e Índia continuarem a crescer, importando como fazem hoje, o descolamento estaria confirmado.

Para Roubini, a economia americana está entrando em prolongado declínio, que pode durar até um ano. Não significa que isso provocará recessão global, mas países como a China vão ser afetados. Se a China importar menos, países que vendem commodities, como o Brasil, também sofrerão.

Para desmontar a tese do descasamento, Stephen Roach, chairman do Morgan Stanley na Ásia, observou que o consumo americano representa US$ 9,5 trilhões (72% do PIB), enquanto o consumo da China é de US$ 1 trilhão e o da Índia de US$ 650 bilhões. Ou seja, mesmo se esses gigantes continuem a crescer a altas taxas, não compensam a perda nos EUA.

Yu Yongding, diretor do Instituto de Economia Mundial, de Pequim, insistiu que a China em todo caso pode crescer 9% com desaceleração americana. Mas que estará sob pressão para criar 24 milhões de empregos novos - e ano passado só criou 10 milhões. E a pressão inflacionária aumenta. Nesse cenário, certos debatedores acham que se a China só crescer 6%, já será uma ''uma aterrisagem forçada'', com impacto no resto do mundo.

Kamal Nath, ministro de Comércio da India, usou argumentos parecidos com o de certos brasileiros, sobre a menor dependência em relação aos EUA. O principal parceiro comercial da Índia hoje é a China. O Brasil exporta mais para a América Latina do que para os EUA, acrescentou Almir Guilherme Barbassa, diretor da Petrobras.

Nos 45 minutos de debate sobre a economia global, o Brasil não foi mencionado uma só vez, com as atenções se concentrando na China e India. Só no debate, com uma pergunta de um jornalista, é que foi feita menção ao país.

Logo depois, num debate sobre a América Latina, dirigido por Javier Santino, da OCDE, tampouco houve consenso sobre o ''deslocamento''. Um lado argumenta que o contágio a partir dos EUA pode atingir mais o México e a América Central do que a América do Sul e países como Brasil e Argentina. Outros argumentaram que se os EUA entrarem em recessão seria por pouco tempo, e a América Latina será mais afetada pela demanda de commodities na China do que pela situação americana.

Guillermo Ortiz, presidente do BC mexicano, reconhece que o México será mais afetado, mas que não ninguém fica poupado. Em freqüente contato com os outros banqueiros centrais, ele estima que a crise americana atualmente é mais feia do que qualquer crise enfrentada pela América Latina nos últimos tempos.

No caso mexicano, a remessa de dinheiro dos cidadãos que vivem nos EUA deve cair apenas ligeiramente, ficando por volta de US$ 23 bilhões, representando 2,5% do PIB. Graças a essas remessas, 30% das famílias mexicanas recebem dois salários em média, por mês.

Para o argentino Felix Pena, a América Latina deve sobretudo se ''deslocar'', em termos psicológicos, do passado, para fazer reformas importantes.