Título: Pauta sob pressão da bancada ruralista
Autor: Sassine, Vinicius
Fonte: Correio Braziliense, 07/02/2011, Política, p. 4

Grupo parlamentar que defende os interesses do agronegócio cresce e acumula poder para influir ainda mais nos projetos com chance de serem votados na nova legislatura O deputado Paulo César Justo Quartiero (DEM-RR) assumiu o mandato na Câmara, na terça-feira, com uma missão bem clara. Será o porta-voz dos arrozeiros de Roraima derrotados na Justiça com a decisão da demarcação da reserva indígena de Raposa Serra do Sol, em 2008.

Quartiero, ex-prefeito da cidade de Pacaraima, é um grande produtor de arroz e representa os produtores de Roraima. Assume o mandato de deputado federal depois de ter sido financiado na campanha com pelo menos R$ 70 mil de grandes processadoras do grão, conforme a prestação de contas ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Para o deputado, nada mais natural do que a defesa dos produtores de seu estado: ¿Vou defender quem? Os venezuelanos? Ou os marcianos?¿

Quartiero é um dos 48 deputados federais novatos que passam a integrar a bancada ruralista na Câmara. No Senado, seis parlamentares estreantes engrossarão a bancada que tradicionalmente defende os interesses do agronegócio, em explícita oposição aos defensores das causas ambientais.

Um levantamento do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap) mostra que, ao todo, 159 deputados e senadores que assumiram os mandatos na terça-feira estão alinhados às causas ruralistas. Na legislatura anterior, eram 120 parlamentares.

A bancada ruralista se ampliou, é a maior no Congresso, superior, por exemplo, à evangélica. Nos primeiros dias de atividade legislativa, os ruralistas já demonstraram como a atuação da bancada será mais ostensiva.

O deputado eleito para a Presidência da Câmara, Marco Maia (PT-RS), disse logo após a eleição que firmou compromisso com a bancada de apreciar em plenário a proposta do novo Código Florestal ainda neste mês. O texto já deve ser votado em março.

Um levantamento feito pelo Correio, com base nos gastos de campanha declarados ao TSE, mostra que os novos deputados e senadores ruralistas foram financiados em pelo menos R$ 6,46 milhões por empresas ligadas ao agronegócio. São usinas de álcool, indústrias de celulose e papel, cooperativas agrícolas, frigoríficos, laticínios, fabricantes de biodiesel e grandes propriedades rurais interessadas em ver seus interesses econômicos representados no Congresso.

Reservas Esses ramos de negócio estão de olho, por exemplo, em regras mais brandas para reservas legais e áreas de preservação permanente (APPs), como prevê o novo Código Florestal, aprovado no ano passado numa comissão especial na Câmara.

Desde o fim da legislatura passada, os ruralistas pressionam para que o projeto seja votado em plenário, o que deve ocorrer nas próximas semanas. A expressiva ampliação da bancada ruralista ocorre num momento de encolhimento do grupo de deputados e senadores que tradicionalmente atuam como defensores das causas ambientais.

A liderança mais expressiva, Marina Silva (PV-AC), concluiu seu mandato de senadora em 31 de janeiro. No dia 1º, quem assumiu mandato de senador foi o ex-governador de Mato Grosso Blairo Maggi (PR-MT), um dos maiores produtores de soja do país. Blairo e Marina duelaram durante o tempo em que a senadora esteve à frente do Ministério do Meio Ambiente, de 2003 a 2008. O plano de combate ao desmatamento da Amazônia, com medidas restritivas aos produtores da região que desrespeitam a legislação ambiental, fez com que Blairo pressionasse pela revogação da proposta.

Ainda não há um levantamento exato sobre o tamanho da bancada ambientalista, mas é consenso que ela sofreu uma diminuição expressiva. ¿Membros do Partido Verde foram candidatos a cargos majoritários e perderam. A bancada chega menor¿, diz o diretor de Documentação do Diap, Antônio Augusto de Queiroz.

Entre os parlamentares que ficaram sem mandato estão Marina Silva e os ex-deputados federais Edson Duarte (PV-BA) e Fernando Gabeira (PV-RJ). Duarte era um dos principais opositores à aprovação do novo Código Florestal.

¿A base de apoio às causas ambientais se perdeu ao longo das legislaturas. Esse não é um cenário estranho¿, afirma Ricardo Verdum, assessor político do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc). ¿Há parlamentares mais ambientalistas e outros com posição ambígua.¿

Essa ambiguidade citada por Verdum é nítida na composição da Frente Parlamentar Ambientalista, criada em 2007 e presidida pelo deputado reeleito Zequinha Sarney (PV-MA). Até o fim da última legislatura, a frente era composta por 226 deputados e 12 senadores, parlamentares que assumiram compromisso de endossar projetos de lei em defesa do meio ambiente. Mas, entre esses integrantes da frente, 24 deputados e três senadores reeleitos fazem parte da bancada ruralista, conforme o levantamento feito pelo Diap.

Código A tramitação da proposta de alteração do Código Florestal, um dos projetos mais polêmicos da legislatura passada, evidenciou a completa impossibilidade de conciliação dos interesses de ambientalistas e ruralistas. O discurso do deputado Paulo César Quartiero também mostra essa contradição entre desenvolvimento econômico e a pauta ambiental. ¿Na minha atuação na Câmara, vou cumprir o que prometi na campanha. Roraima só tem chance de se desenvolver recuperando o que nos foi tirado¿, diz o parlamentar, referindo-se à demarcação da reserva de Raposa Serra do Sol em prol dos índios do local.

Vou defender quem? Os venezuelanos? Os marcianos?¿ Deputado federal Paulo César Quartiero (DEM-RR), produtor de arroz

Desejo de votação rápida em plenário

A bancada ruralista se articula para aprovar o novo Código Florestal no Congresso até 11 de junho. A partir desse dia, conforme o decreto 7.029, de dezembro de 2009, os produtores rurais precisam regularizar as áreas de reserva legal em suas propriedades.

O decreto instituiu o Programa Mais Ambiente, que objetiva a regularização ambiental das propriedades rurais. As regras começam a valer a partir de 12 de junho deste ano.

¿Se o Código Florestal não for aprovado, todos os produtores rurais ficarão na ilegalidade¿, afirma o deputado Moacir Micheletto (PMDB-PR), que presidiu a comissão especial que aprovou as alterações no código.

Micheletto diz que a bancada ruralista está ¿disposta a negociar¿. Ele admite que o texto do relator Aldo Rebelo (PCdoB-SP) pode sofrer alterações, ainda no âmbito da comissão especial, antes de ser apreciado pelo plenário da Câmara. ¿Isso pode ocorrer se a proposta não for desfigurada.¿

Pontos divergentes na proposta de flexibilização de reservas legais e áreas de preservação permanente (APPs) estão sendo discutidos com os Ministérios do Meio Ambiente (MMA) e da Agricultura (Mapa), segundo o deputado. O MMA já se manifestou contra o projeto e elabora uma proposta alternativa. A bancada ruralista tem pressa na realização da votação em plenário.