Título: Reeleito, Zapatero deixa de ser premiê por acaso, mas terá vida mais dura
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Fonte: Valor Econômico, 11/03/2008, Internacional, p. A8

Após chegar ao poder quase por acaso, em 2004, e de se beneficiar de um boom econômico sem precedentes, o primeiro-ministro da Espanha, José Luis Rodríguez Zapatero, 47, quase não precisou mostrar força em momentos de dificuldades. Até agora. A economia em 2008 piora rapidamente, e a primeira tarefa do dirigente socialista após sua reeleição, no domingo, será controlar uma onda de desemprego que já atingiu 300 mil pessoas.

Em quatro anos, este advogado e conferencista de direito, delgado e interiorano, depois de muito tempo como coadjuvante em seu próprio partido, fez uma pequena revolução na sociedade espanhola, transformando um dos países mais conservadores da Europa num dos mais liberais. Entre outras coisas, ele legalizou o casamento homossexual, reduziu o papel da Igreja Católica na educação e reforçou as leis de igualdade entre os gêneros.

Zapatero surpreendeu a muitos quando se tornou o líder dos socialistas em 2000, com apenas 39 anos de idade. Ele assumia a frente de um partido abalado por duas derrotas eleitorais seguidas contra o Partido Popular (conservador), liderado por José Maria Aznar.

"Ele não era um líder forte no começo. Sua liderança era até questionada dentro do partido", afirmou o deputado socialista Antonio Hernando. No início, Zapatero era chamado de "Bambi" por seus detratores. "Com o tempo, as pessoas passaram a compará-lo ao Rei Leão. É verdade que é outro personagem de desenho animado, mas Zapatero acabou ganhado o respeito do partido", conclui Hernando.

Zapatero é casado com uma professora de música, que mantém as duas filhas do casal longe dos holofotes. Ele fala um pouco de francês, mas nada de inglês - o que, dizem alguns analistas, seria o motivo de sua falta de vontade de se envolver em temas de política internacional.

Apesar disso, entre os grandes países europeus, ele é o líder há mais tempo no governo.

O premiê cresceu na cidade de León, no norte do país, influenciado pela memória de seu avô Juan Rodriguez Lozano, um capitão do Exército fuzilado pelas tropas do general Francisco Franco em 1936, após se recusar em participar no levante de direita.

Quando se tornou líder socialista, ele disse: "Por anos eu vi a mim mesmo como o neto do capitão Lozano. Isso me deu uma força interior quando comecei minha carreira no partido, aos 18 anos".

"Seu estilo de liderança não se baseia em dominar as pessoas ao redor, mas em buscar o consenso", disse Juan Luis Paniagua, professor de Política na Universidade Complutense de Madri. "Mas, por trás do rosto sorridente, há bastante determinação", afirmou.

Nesta campanha, Zapatero se mostrou como o candidato da modernidade, contrapondo-se ao tradicionalismo católico e pessimista da oposição conservadora. Ao fim, o Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE), de Zapatero, teve 43,65% dos votos, contra 40,12% do Partido Popular. Tanto o PSOE quanto o PP aumentaram o número de cadeiras - de 164 para 169, e de 148 para 153, respectivamente. O Parlamento tem 350 cadeiras.

Perderam representatividade, principalmente, os partidos regionais, que têm plataformas separatistas ou autonomistas.

Houve ainda eleição para o Senado, que tem um papel quase figurativo. A bancada do PP diminuiu de 102 para 101, e a do PSOE cresceu de 81 para 89 senadores.

Mesmo os maiores aliados de Zapatero admitem que ele não teria chegado ao governo se a Espanha não tivesse vivido uma tragédia há quatro anos - os atentados de extremistas islâmicos que mataram 191 pessoas nos trens de Madri, em março de 2004, a três dias das eleições.

Até então, Zapatero estava atrás do PP nas pesquisas. Mas o governo conservador da época, que levara a Espanha à impopular guerra do Iraque, tentou atribuir os atentados ao ETA, para que o eleitorado não considerasse que os ataques haviam sido uma retaliação pelo apoio aos EUA no conflito iraquiano. A acusação contra o ETA não se sustentou, e a manobra do governo criou uma onda de indignação que favoreceu a vitória eleitoral dos socialistas.

Mas e daqui para a frente?

O premiê herdou dos conservadores o que analistas chamam de "uma economia em ordem". Até agora Zapatero apenas manteve a rédea curta, aproveitando o orçamento equilibrado e mantendo a boa fase que lhe valeu sucessivas avaliações positivas nas pesquisas de opinião pública.

Mas economistas prevêem que o PIB, após subir 3,8% em 2007, pode ficar crescer menos de 2% este ano. O preço da casas, que triplicou em dez anos, está em queda, e a inflação subiu para 4,4%.

O premiê promete gastos públicos, especialmente em obras de infra-estrutura, que dariam empregos a operários da construção civil. Mas essa estratégia pode ter problemas se a crise global de crédito se arrastar.

Zapatero também enfrentará desafios vindos das regiões espanholas, especialmente Catalunha e País Basco, que receberam mais autonomia no governo socialista. A questão basca é uma das maiores frustrações do primeiro mandato, devido ao insucesso na tentativa de negociar a paz com o grupo separatista ETA - uma negociação que Zapatero já prometeu não repetir. (Com a Bloomberg)