Título: O IPI sobre cervejas, refrigerantes e água
Autor: Gustavo Almeida e Dias de Souza
Fonte: Valor Econômico, 10/02/2005, Legislação & Tributos, p. E2

Uma questão que se levanta no meio jurídico, nos órgãos de representação dos fabricantes e distribuidores de bebidas e na imprensa diz respeito à forma de quantificação do montante devido a título de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) nas operações com cervejas, refrigerantes e água. O debate, em verdade, estende-se há mais de dez anos, mas, ao que parece, veio à tona agora, exigindo solução. Especialmente porque a Receita Federal, com a edição da lei nº 10.833/2003, estende ao cálculo da Cofins e do PIS, decorrentes das operações com aqueles produtos, a mesma sistemática aplicada ao IPI. O cerne do problema diz respeito à aplicação de valores fixos por unidade de produto na quantificação do valor devido a título do imposto. Desde a edição da lei nº 7.798/89, a Receita Federal cobra o IPI das indústrias de cervejas, refrigerantes e água mediante a adoção de um valor fixo por unidade de produto. Assim, por exemplo, o valor do imposto devido pela operação com uma caixa de cervejas de malte, em embalagem de vidro retornável de 600 ml, é de R$ 3,78, independente do preço cobrado pelo sujeito passivo. Tal sistemática é frágil, diante do ordenamento jurídico. O Supremo Tribunal Federal (STF) sempre rechaçou a adoção de valores fictícios para fins de tributação, quando possível a real mensuração do fato praticado pelo contribuinte. Em primeiro lugar, porque a Constituição Federal já traz, de forma expressa ou implícita, a base de cálculo possível do tributo. No caso do IPI, essa base de cálculo constitucional é o valor da operação com o produto industrializado. A opção, por determinar o montante do tributo devido por meio da adoção de valores fixos, significa ignorar a base de cálculo constitucionalmente estabelecida. Depois, porque a adoção de um valor fixo - aplicável de forma indistinta a operações que envolvem montantes diferentes - viola, no caso do IPI, o princípio da igualdade e o princípio da capacidade contributiva, na medida em que faz recair um mesmo encargo sobre contribuintes que se acham em situações distintas. Um exemplo ilustra o caso: para a caixa de cervejas de uma determinada marca, vendida pelo fabricante a R$ 12,00, o IPI representa 32% do preço, enquanto que para a caixa de cervejas de outra marca, vendida pelo fabricante a R$ 18,00, o IPI representa 21% do valor do produto. No plano infraconstitucional, o Superior Tribunal de Justiça, da mesma forma, manifesta-se no sentido de afastar a tributação por valores fixos para fins do IPI, sob o argumento de que deve ser preservada a base de cálculo eleita por lei complementar (Código Tributário Nacional, artigo 47), que é o valor da operação. Fato é que a adoção de valor fixo único para fins de tributação das operações com cervejas, refrigerantes e água, além de violar o ordenamento jurídico, acaba por provocar uma situação de desequilíbrio concorrencial, privilegiando as empresas que colocam seus produtos no mercado a um preço superior. Isso porque, para tais empresas, o montante correspondente ao IPI devido representará um percentual menor do preço praticado, em relação àquelas empresas que comercializam sua produção ao um preço mais acessível.

Sustentar que a adoção da tributação por valor fixo coíbe a sonegação no setor é dizer meia-verdade

Curioso é notar que, apesar da incompatibilidade de tal forma de tributação frente ao ordenamento jurídico, e a despeito das distorções de mercado por ela produzidas, a Secretaria da Receita Federal insiste em preservá-la. E o faz sem qualquer argumento plausível. Dizer-se que a adoção do valor fixo se sustenta na suposição de que o custo de produção das diversas indústrias de cervejas, refrigerantes e água é praticamente o mesmo importa em erro crasso. Primeiramente, porque o custo de produção é, efetivamente, diferente. Elementos como localização e número de fábricas, eficiência de linha de produção, localização de fornecedores, por exemplo, divergem de indústria para indústria e afetam diretamente o custo de produção. Além disso, o IPI tem como base de cálculo o preço praticado pelo contribuinte, e não o custo de produção do produto. E o preço praticado pelas diversas indústrias é, obviamente, diferente. Por outro lado, sustentar que a adoção da tributação por valor fixo coíbe a sonegação no setor é dizer meia-verdade. Essa finalidade não justifica a adoção de um mesmo valor para as diversas marcas de produto. Tal fim poderia ser perquirido mantendo-se a tributação por valores fixos, mas adotando-se a sistemática da classe de valores, de forma a respeitar as diferenças de preço havidas entre os diversos fabricantes. É interessante notar que, nas operações com bebidas "quentes" e fumo, por exemplo, a tributação do IPI se dá por valores fixos por unidade de produto, mas com a segregação desses produtos em diversas classes de valores, o que reduz, ao menos em parte, o desequilíbrio causado por essa forma de tributação. Diante desse contexto, é positivo que o problema seja debatido e que a Receita Federal se manifeste no sentido de sanar os vícios que comprometem, hoje, a tributação das operações com cervejas, refrigerantes e água.