Título: Produtor de soja se prepara para enfrentar EUA na OMC
Autor: Mauro Zanatta
Fonte: Valor Econômico, 11/02/2005, Agronegócios, p. B10

Pressionados pela superoferta mundial de soja e pela apreciação do real em relação ao dólar, os produtores brasileiros tentarão "compensar" cotações em baixa e elevado endividamento com a abertura de um painel (comitê de arbitragem) na Organização Mundial do Comércio (OMC) contra os subsídios concedidos pelo governo americano à produção do grão. Em hibernação desde 2002, quando os preços internacionais da soja começaram a reagir até alcançar cotações recordes no primeiro semestre de 2004, o painel ganhou força com a crise nas lavouras brasileiras e a iminente "volta" dos subsídios nos EUA. O Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Icone) estima que os produtores americanos embolsarão US$ 3,25 bilhões em subsídios na safra 2006. "É um volume quase igual ao concedido no final dos anos 90 e muito inferior aos US$ 600 milhões pagos em 2004", diz o presidente do Icone, Marcos Jank. Segundo ele, os subsídios aumentarão até a reforma da atual Lei Agrícola dos EUA, que expira em 2007. Os gastos com subsídios à soja nos EUA crescerão porque as cotações estão baixas e eles serão necessários. Nesta semana, Washington deu sinais de que quer reduzir em 5% os subsídios totais. Sem acreditar na promessa, a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) começou a atualizar os estudos econométricos para sustentar os argumentos principais do desejado painel: sem os fartos subsídios, os produtores americanos plantariam menos soja, o Brasil avançaria em novos mercados e as cotações subiriam. Estudo de Salazar Brandão e Elcion Caiado, da Universidade Estadual do Rio (UERJ), mostra que, de 1998 e 2004, o Brasil poderia ter elevado em até US$ 4 bilhões suas exportações sem os subsídios dos EUA. Isso significaria agregar US$ 362 milhões aos US$ 10,2 bilhões embarcados em soja em 2004. "Temos que estar com o processo montado para forçar os americanos a negociar. Estamos atrasados nisso", alerta Pedro Camargo Neto, presidente da Abipecs (reúne exportadores de carne suína). "Queremos eleger o diretor-geral da OMC e ter assento na ONU, mas temos sido fracos para combater esse absurdo" diz Camargo, principal mentor dos processos na OMC contra os subsídios dos EUA ao algodão e da União Européia ao açúcar. A ação na OMC dirá que os produtores dos EUA não têm renda suficiente para cobrir custos. No Brasil, produz-se soja a US$ 4,04 por bushel (27,4 quilos), ou por 70% dos US$ 5,79 de lá, segundo dados do Departamento de Agricultura dos EUA (USDA) e da FNP Consultoria usados pela CNA. O "preço mínimo" nos EUA é de US$ 5,26. Sem os subsídios, os preços da soja americana seriam mais altos, o que também a tornaria menos competitiva. "Sabemos disso e vamos pensar num processo bem montado", diz José Rogério Salles, presidente da Associação dos Produtores de Soja de Mato Grosso (Aprosoja-MT). As principais diferenças estão nos baixos custos de terra e mão-de-obra no Brasil, diz. Apesar da crise nas lavouras - só as dívidas com BNDES são estimadas em R$ 700 milhões, e a rolagem dos débitos totais será alvo de reunião entre os ministério da Agricultura e da Fazenda nesta sexta-feira -, não deve faltar dinheiro para bancar o processo na OMC, que deve custar US$ 2,5 milhões. A Aprosoja-MT tem em caixa R$ 5,4 milhões só em doações de seus 5 mil filiados. Cada produtor deu R$ 1 por hectare para a capitalização. Além disso, o governador do Estado, Blairo Maggi (PPS) - maior produtor mundial de soja -, destinará 5% da arrecadação do Fundo Estadual de Transportes e Habitação (Fethab) para criar um fundo para a Aprosoja-MT. "Teremos um poder parecido com o da OPEP (cartel dos produtores de petróleo)", exagera Otaviano Pivetta, secretário de Desenvolvimento Rural do Estado. Os sojicultores querem repetir o sucesso do painel aberto pelos produtores de algodão - cuja decisão final sairá em 3 de março. Até agora, a contestação brasileira obrigou os EUA a estudar uma reforma de seus programas de subsídios. "É importante ganhar, mas também é preciso berrar, ter coragem de questionar", diz Hélio Tollini, diretor-executivo da Associação dos Produtores de Algodão (Abrapa). O ataque brasileiro contra os EUA será centrado no descumprimento do Acordo de Subsídios e Medidas Compensatórias da OMC em relação às chamadas medidas de apoio interno. Um dos alvos é o mecanismo de financiamento à comercialização em condições preferenciais, o "marketing loan benefits". Pelo sistema, o produtor embolsa um cheque do governo com a diferença entre o preço mínimo (US$ 5,26 por bushel) e os de mercado, à espera da melhor hora para vender. Isso se traduz em quase US$ 1 de vantagem para a soja americana. Os brasileiros reclamam, assim, de danos em terceiros mercados. No Ministério da Agricultura, a abertura do novo painel foi bem recebida e até incentivada. Fontes ligadas ao Itamaraty - que oficialmente informou que só se manifestará após consultas formais da iniciativa privada -, não mostram disposição em fugir de outra eventual disputa com os EUA. Mas dizem que, para a briga começar, é preciso ter estudos minuciosos e um caso concreto. (Colaboraram Sergio Leo, de Brasília, e Assis Moreira, de Genebra)