Título: Os planos de saúde e a resolução da ANS
Autor: Silva , José Luiz Toro
Fonte: Valor Econômico, 19/03/2008, Legislação & Tributos, p. E3

Dois sérios problemas de direito intertemporal podem ser vislumbrados diante da Resolução Normativa nº 167, de 9 de janeiro de 2008, editada pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), que atualiza o rol de procedimentos e eventos em saúde nos planos privados de assistência à saúde. O primeiro é a aplicação do mencionado rol para os contratos firmados ou adaptações realizadas no período de 1º de janeiro de 1999 a 1º de abril de 2008. O outro problema apresentado é a aplicação para os contratos, estatutos ou regulamentos de planos firmados, celebrados ou instituídos antes de 1º de janeiro de 1999, que ainda recebem adesões de pessoas após esta data.

O fato de a resolução ser aplicável aos contratos firmados antes mesmo de sua edição evidencia uma aplicação retroativa, tornando-se obrigatória a sua incidência a partir de 2 de abril, consoante o disposto em seu artigo 21. Porém, o direito contemporâneo veda a retroatividade das normas, caracterizando-a como uma indevida intromissão do Estado nos contratos celebrados antes de sua edição. Tal assunto já foi discutido no Supremo Tribunal Federal (STF), quando o então ministro Maurício Corrêa, ao proferir seu voto como relator da Medida Cautelar em Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) nº 1931-8, do Distrito Federal - requerida pela Confederação Nacional de Saúde, Hospitais e Estabelecimentos e Serviços (CNS) e que visa, justamente, discutir a constitucionalidade da Lei nº 9.656, de 1998 -, decidiu que "os contratos assinados com os consumidores antes da nova legislação não podem ser modificados pelas regras ora impostas, sob pena de violação ao princípio do direito adquirido e também ao ato jurídico perfeito - garantias protegidas pelo mandamento constitucional", conforme estabelece o artigo 5º, inciso XXXVI da Constituição Federal. Verifica-se, portanto, que o Supremo deixou claro que, para os contratos firmados antes do advento da Lei nº 9.656, continuam em vigor as cláusulas e condições que foram livremente estipuladas pelas partes. Conseqüentemente, a Resolução Normativa nº 167, observados os mesmos princípios utilizados pelo ministro, somente pode ser aplicada aos contratos firmados a partir de sua edição, não podendo ter o efeito pretérito pretendido.

Convém lembrar que quando a ANS editou a Resolução Normativa nº 63, de 22 de dezembro de 2003, a mencionada tabela de variação de faixas etárias, editada em conformidade com o Estatuto do Idoso, somente foi aplicada aos contratos firmados a partir de 1º de janeiro de 2004, consoante seu artigo 1º, sem a observância de qualquer critério retroativo.

-------------------------------------------------------------------------------- A discussão aumentará a litigiosidade das questões decorrentes dos planos privados de assistência à saúde --------------------------------------------------------------------------------

Outro ponto a ser discutido são os casos de contratos, regulamentos ou estatutos que contemplam a cobertura de planos privados de assistência à saúde firmados, celebrados ou instituídos antes de 1º de janeiro de 1999, que ainda aceitam novas adesões de funcionários, associados ou sindicalizados. Para exemplificar, é possível citar uma empresa que possui contrato anterior à Lei n° 9.656, onde todos os seus funcionários, mesmo aqueles admitidos após o advento da lei, se subordinam ao contrato antigo. Sob pena da caracterização de séria infração ao princípio da igualdade, cada nova adesão realizada não será considerada como uma nova contratação, estando o novo funcionário sujeito, portanto, ao contrato ou regulamento antigo.

O direito garante à mencionada empresa a prerrogativa de continuar regulada pela lei vigente no momento da constituição de seu contrato, regulamento ou estatuto, por respeito, inclusive, ao direito adquirido e o ato jurídico perfeito, protegidos pela Constituição Federal. Portanto, as novas adesões se subordinam aos contratos, regulamentos e estatutos firmados anteriormente à Lei nº 9.656, não estando também sujeitas aos efeitos da Resolução Normativa nº 167, salvo quando forem vedados novos ingressos ou estabelecidas condições diferenciadas. Ademais, o próprio parágrafo 7º do artigo 35 da Lei nº 9.656 reconhece tal situação, pois assevera, claramente, "às pessoas jurídicas contratantes de planos coletivos, não optantes pela adaptação prevista neste artigo, fica assegurada a manutenção dos contratos originais, nas coberturas assistenciais neles pactuadas."

Tais questões deverão gerar muitas controvérsias até a vigência da norma, pois a matéria é polêmica, devendo cada operadora avaliar seus riscos e tomar suas próprias decisões, sendo que somente o Poder Judiciário poderá declarar, de forma clara, qual é o direito aplicável. Passível é o fato de que esta discussão aumentará a litigiosidade das questões decorrentes dos planos privados de assistência à saúde, comprometendo a segurança jurídica e a saúde financeira das carteiras, relembrando que os direitos não nascem em árvores e alguém deverá suportar os seus custos.

José Luiz Toro da Silva é advogado é sócio do escritório Toro&Advogados, mestre em direito político e econômico e presidente do Instituto Brasileiro de Direito da Saúde Suplementar

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