Título: Crédito extraordinário motiva 1/4 das MPs
Autor: Izaguirre , Mônica
Fonte: Valor Econômico, 20/03/2008, Política, p. A11

O governo federal já recorreu 106 vezes à edição de medidas provisórias para ampliar ou remanejar recursos do Orçamento da União, desde que a Emenda Constitucional 32 restringiu, em setembro de 2001, o uso de MPs em matérias orçamentárias. O número de medidas de crédito extraordinário foi levantado pela Consultoria de Orçamento da Câmara dos Deputados e responde por cerca de 25% de todas as medidas provisórias baixadas pelos presidentes Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva no mesmo período.

No total, elas autorizaram gastos de R$ 144,7 bilhões, num intervalo de tempo inferior a sete anos completos, o que dá uma média superior a R$ 20 bilhões por ano. Mesmo nos anos em que a lei orçamentária não atrasou e começou a vigorar em janeiro, caso de 2002 e 2007, o governo recorreu a muitas MPs para fazer ajustes no Orçamento, contribuindo para sobrecarregar a pauta do Congresso. Por isso, o deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP), presidente da comissão da Câmara que analisa nova mudança constitucional sobre a edição e a tramitação de medidas provisórias, defende a completa proibição do uso desse instrumento legal para abertura de créditos orçamentários.

A idéia, porém, não é engessar ainda mais o governo e sim permitir que o que se faz hoje por MP, em matéria orçamentária, seja feito por decreto do presidente da República, ou seja, sem necessidade de consulta prévia ao Congresso. Pela proposta, caberia aos parlamentares apenas sustar o decreto do Executivo, mediante edição de decreto legislativo, caso vissem alguma exorbitância. Vaccarezza lembra que, em diversos Estados, como São Paulo, os ajustes no orçamento estadual também são feitos por decreto do Executivo.

A substituição de MPs por decretos federais de crédito extraordinário é defendida também pelo líder do PPS na Câmara, deputado Fernando Coruja (SC), e faz parte da emenda que ele apresentou à Proposta de Emenda Constitucional (PEC) sob análise da comissão presidida por Vaccarezza. O texto sugerido por Coruja não altera, porém, o conceito de crédito extraordinário, admitido exclusivamente para "despesas imprevisíveis e urgentes, como as decorrentes de guerra, comoção interna ou calamidade pública." Seriam restritas, portanto, as situações em que o governo poderia lançar mão de decreto para fazer ajustes superiores a 10% em ações orçamentárias. Ajustes de até 10% por ação já podem ser feitos por decreto.

A proposta defendida pelos dois parlamentares tem o respaldo de especialistas, como Osvaldo Maldonado Sanches, consultor de Orçamento da Câmara dos Deputados desde 1991 e ex-diretor de Orçamento do Estado do Paraná (1975 a 1980). Em nota técnica sobre o tema, Sanches afirma que o uso de MPs para abertura de créditos extraordinários é uma "irracionalidade". Afinal, rejeitando ou aprovando a MP, a decisão do Congresso acaba sendo "inócua", porque, normalmente, a despesa já ocorreu. "Tal procedimento não amplia em nada o controle do Poder Legislativo, uma vez que as MPs têm vigência imediata e os créditos extraordinários - fundados nos pressupostos de imprevisibilidade e urgência - tendem a ser executados em poucos dias ou horas", explica ele na nota.

O relator da comissão especial da PEC das medidas provisórias, deputado Leornardo Picciani (PMDB-RJ), ainda não decidiu se vai ou não acatar, no seu substitutivo, a sugestão dos deputados Cândido Vaccarezza e Fernando Coruja. O fato de aliviar a pauta do Congresso seria positivo, reconhece. Por outro lado, ele teme que o uso de decreto seja pior para o Executivo, se abrir espaço para contestações judiciais dos créditos autorizados. Ainda que seja inócua nas hipóteses de rejeição de MP, a análise pelo Congresso é necessária, na opinião de Picciani, para evitar contestações, pois, em caso de aprovação, legitima ato do Executivo de alterar o Orçamento.

Se depender do presidente nacional do PSDB, senador Sérgio Guerra (PE), os deputados do seu partido serão contra o uso de decreto no lugar de MP. Na sua opinião, se houver substituição, a tendência do governo será "abusar" ainda mais do crédito extraordinário. Guerra acha que o governo tem abusado porque trata como se fossem extraordinários créditos orçamentários que, na verdade, deveriam ser definidos como suplementares ou especiais. Na sua opinião, esse disfarce tem como objetivo driblar a necessidade de projeto de lei, já que só créditos extraordinários podem ser objeto de MP. Os outros dois tipos de crédito orçamentário só podem ser abertos por projeto de lei. Mas como esses projetos demoram mais a ser votados, o governo sempre que pode usa medida provisória, alegando imprevisibilidade e urgência do gasto.

Essas duas características são justamente o que diferencia os créditos extraordinários dos demais. Não havendo imprevisibilidade e urgência, os créditos só podem ser tratados como suplementares (simples acréscimo a dotação existente) ou especiais (recurso para ação nova no Orçamento, mas não urgente). Os extraordinários servem tanto para reforçar ação existente quanto para incluir ação nova no Orçamento.

A troca de medida provisória por decreto não é vista como problema pelo governo. Mas tampouco é considerada de grande ajuda. Na visão de gestores públicos que preferiram não se identificar, embora possa ser importante para aliviar a pauta do Congresso, sob o ponto de vista do Executivo, a questão central não é a escolha entre decreto ou MP para créditos extraordinários, uma vez que esses se impõem por si só, pela sua urgência. O problema é a combinação entre a pouca flexibilidade de uso de decreto para os outros dois tipos de crédito e a demora na aprovação dos respectivos projetos de lei.

Os gestores reclamam que, normalmente, créditos encaminhados nos primeiros meses do ano pelo Executivo só são aprovados no fim do ano pelo Congresso. Na opinião de uma fonte da área econômica do governo, o ideal seria que os 10% de ajuste permitidos por decreto fossem em relação ao valor global das despesas e não sobre cada rubrica específica. "Se tivéssemos isso não precisaríamos recorrer nem a medidas provisórias nem a projetos de lei (para ajustar os orçamentos já aprovados)", diz.