Título: Reforma tributária é recebida com pessimismo por comerciantes de SP
Autor: Agostine , Cristiane
Fonte: Valor Econômico, 20/03/2008, Política, p. A10

Em um auditório lotado de comerciantes, no centro de São Paulo, a discussão sobre a reforma tributária elaborada pelo governo federal não poderia ser mais pessimista. "Sinto muito pelas gerações mais novas. O melhor mesmo é arrumar um passaporte e garantir outra cidadania, que não seja a brasileira", comentou o economista Paulo Rabello de Castro. "É uma proposta que só busca erros novos. Devemos ficar horrorizados com ela", disse a dirigentes e conselheiros da Federação do Comércio de São Paulo, entidade que organizou o debate.

A platéia, berço político do ex-governador de São Paulo Paulo Maluf, ecoou o receio em relação às mudanças tributárias. "Vão aumentar a tributação!", diziam conselheiros da federação, durante o debate. Entre os palestrantes, a mesma percepção. "Sem dúvida nenhuma haverá aumento da carga tributária", declarou Rabello de Castro. Ao seu lado, o jurista Ives Gandra Martins afirmou que a " União não vai apoiar medidas que ponham em risco o bolo tributário a que tem direito".

Entre os participantes, grassava o ceticismo. "A reforma não vai ser aprovada até 2010" foi uma das frases mais ouvidas ontem de manhã, no auditório da federação. Cogitou-se até mesmo que nem nos próximos dois mandatos ela vingue.

Entre os que acreditavam na aprovação e opinavam sobre a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) enviada pelo governo federal ao Congresso, surgiam de imediato as críticas. As reclamações eram as mais diversas. Desde a forma como as mudanças foram propostas até mesmo a suposta ineficácia das medidas no combate à guerra fiscal entre os Estados. "Demorou muito para fazer pouco. (O governo) entrou no jogo tarde, aos quarenta minutos do segundo tempo, furou a bola e perdeu um gol", ironizou Rabello de Castro, que preside o Conselho de Planejamento Estratégico da federação. Gandra preferiu opinar que muitas mudanças, como a unificação de tributos, não precisava ser feita por meio de uma mudança constitucional, mas sim por uma legislação ordinária.

Além das reclamações sobre a eventual elevação dos tributos, a crítica mais enfática feita durante as quase três horas de debate foi o poder dado pela proposta de reforma tributária ao Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz). O órgão, composto pelos secretários da Fazenda, deverá decidir as alíquotas e os produtos que serão taxados pelo ICMS. Para Gandra, será um erro. "Vamos transferir o poder de decidir, que seria do Congresso Nacional, para técnicos que não foram escolhidos pelo povo. Eles definirão as alíquotas que poderão no máximo ser aceitas ou rejeitadas, mas não modificadas pelo Senado", disse. O conselheiro da Fecomercio Agostinho Tavolaro pontuou que a proposta para o Confaz é uma "castração do poder legislativo dos Estados". "A harmonização dos poderes passa por outra instância. Ao reforçar o Confaz, atribui-se as decisões ao Executivo."

De todos os pontos debatidos pelos empresários e grandes comerciantes, o imposto sobre grandes fortunas, bandeira ideológica do PT na reforma tributária, foi o que gerou mais comentários irônicos. Classificado por Rabello de Castro como "imposto das viúvas", Gandra analisou que é um retrocesso e que o governo quer "ressuscitar o que está morto". "É um imposto que foi condenado à morte em outros países. É como querer ressuscitar a União Soviética antes do Muro de Berlim".

Ao resumir sua opinião sobre a reforma tributária, Gandra afirmou que "a intenção do governo é boa, mas entre a intenção e a proposta há um grande abismo". Já Rabello de Castro escolheu dois adjetivos nada favoráveis ao governo: "Achamos que o governo foi tímido e enrolado. É essa adjetivação que as 14 páginas (da PEC) merecem por enquanto". A entidade aposta no substitutivo a ser apresentado por Francisco Dornelles (PP-RJ) na próxima semana.