Título: Preço garante 70% da alta na exportação de manufaturados
Autor: Lamucci , Sergio
Fonte: Valor Econômico, 24/03/2008, Brasil, p. A2

Luiz Aubert Neto, presidente da Abimaq: com o dólar barato, companhias aumentam importação de partes e peças Em janeiro e fevereiro, o valor das exportações de produtos manufaturados cresceu 17% em relação ao mesmo período de 2007, um resultado robusto, mas que esconde alguns fatos menos positivos do que sugere esse número expressivo. Um dos pontos é que a expansão mais forte das vendas externas tem se concentrado em poucos produtos - alguns dos quais têm, na verdade, características de commodities, como óleos combustíveis e gasolina. Além disso, a alta das exportações tem sido puxada pelo aumento dos preços, e não dos volumes exportados. No primeiro bimestre, as quantidades cresceram 4,96%, enquanto as cotações aumentaram 13,79%, segundo números da Fundação Centro de Estudos de Comércio Exterior (Funcex). De certa forma, o preço garantiu mais de 70% da alta das exportações no período.

A valorização do câmbio, o impacto inicial da desaceleração da economia global e algum eventual desvio para o mercado interno são as principais explicações para o ritmo mais fraco de expansão dos volumes exportados de manufaturados, dizem analistas. Nos 12 meses até fevereiro, as vendas desses produtos subiram 3,9% - em fevereiro de 2005, a alta era de 28,1%, na mesma base de comparação.

Para o economista-chefe da MB Associados, Sérgio Vale, a expansão de manufaturados é menos pulverizada do que seria desejável, e se concentra em alguns dos "suspeitos de sempre". Um dos casos mais emblemáticos, aponta, é o de aviões, cujas vendas, em valor, subiram 55,9% no bimestre. "É um segmento representado por uma empresa, a Embraer", resume o economista Fábio Silveira, da RC Consultores. No primeiro bimestre, a exportação de aviões foi de US$ 593 milhões - quase 5% das vendas totais de manufaturados que somaram US$ 13,5 bilhões.

Outro ponto é que produtos classificados como manufaturados têm características de commodities, diz Silveira. É o caso de óleos combustíveis e gasolina, cujas vendas externas subiram, em janeiro e fevereiro, 183% e 166%, pela ordem. Para ele, a alta se explica pelo aumento forte das cotações internacionais e também por alguma expansão dos volumes. O ponto, porém, é que são produtos "commoditizados", com baixo grau de transformação, apontam Vale e Silveira. Se as commodities tiverem quedas mais fortes nos próximos meses, em função da desaceleração da economia global, os embarques desses dois produtos - que somaram US$ 799 milhões no bimestre - podem perder fôlego.

Um grupo de produtos manufaturados que mostra um desempenho positivo é o de bens de capital. Em janeiro e fevereiro, as vendas de bombas e compressores aumentaram 32,4%, as de motores e geradores elétricos, 31,9% e as de máquinas e aparelhos para terraplenagem, 28,2%. Juntos, totalizaram US$ 878 milhões.

O presidente da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), Luiz Aubert Neto, atribui esse desempenho a três fatores, apesar dos problemas causados pelo câmbio valorizado. O primeiro está ligado às exportações intercompanhias, em que as filiais vendem os bens de capital para as matrizes. "São em geral contratos de longo prazo, que não são influenciados pela variação do câmbio. A questão é saber o que vai ocorrer quando esses contratos acabarem", afirma ele. Aubert também diz que a expansão das vendas para países da América do Sul, como opção para o recuo nas exportações para os EUA, explica parte do desempenho. Por fim, ele lembra que, com o dólar barato, as companhias aumentam a importação de partes e peças, o que as ajuda a reduzir custos e manter competitividade externa.

As exportações de veículos e autopeças também exibem um bom resultado. As vendas de automóveis totalizaram US$ 697 milhões nos dois primeiros meses do ano (alta de 7,3% no bimestre), enquanto as de veículos de carga (US$ 330 milhões) subiram 19,3%.

O presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Jackson Schneider, diz que há uma queda nas exportações de veículos de passeio - o aumento no valor se explica pela alta de preços. Segundo ele, alguns fabricantes conseguem reajustá-los no mercado internacional, de modo a compensar os efeitos negativos do dólar barato, enquanto outros têm obtido sucesso em mudar o mix de produtos exportados, com a venda de carros de maior valor agregado. Além disso, as empresas se empenham em manter mercados externos duramente conquistados, como os da América Latina, mesmo que as exportações apresentem pouca ou nenhuma rentabilidade.

Com a perspectiva de menor crescimento global, a facilidade para reajustar preços deve diminuir, acreditam analistas como Vale. E, como mostram os números da Funcex, é a alta das cotações que explica a maior parte do aumento das exportações de manufaturados - e de todas as classes de produtos. Nos 12 meses até fevereiro, por exemplo, os preços das vendas de manufaturas brasileiras cresceram 9,1%, mais que os 3,9% registrados pelo volume.

Por conta dessa diferença de expansão de preços e volumes, o o professor da Unicamp Edgard Pereira diz que a expansão de 17% dos valores exportados em janeiro e fevereiro "é um número que ilude". Os preços, nota ele, crescem a um ritmo mais de duas vezes superior ao do volume exportado. "Com um mundo que cresce menos, ficará cada vez mais difícil reajustar os preços", afirma ele.

Para Silveira, a redução da velocidade de crescimento dos volumes exportados se deve a uma combinação de fatores. O primeiro é a taxa de câmbio valorizada, que afeta a competitividade de alguns setores da economia, notadamente dos que têm grande parte dos custos em reais, como os intensivos em mão-de-obra. Ele também destaca a força da economia doméstica, que faz algumas empresas preferirem direcionar uma parcela maior da produção para o mercado interno. Por fim, já haveria algum efeito da desaceleração global, que diminui a a demanda por produtos brasileiros.

O presidente da Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais e da Globalização (Sobeet), Luís Afonso Lima, tem uma visão mais otimista. Para ele, o país diversificou bastante os destinos de suas exportações, e ainda tem uma pauta de vendas externas também diversificada. Lima ainda vê vitalidade nas exportações do país, inclusive de manufaturados. "É um bom resultado as vendas continuarem aumentando mesmo com o câmbio valorizado e o forte crescimento da demanda interna. A fotografia do momento ainda é boa e o filme deve continuar bom por mais tempo."