Título: Déficit em conta corrente cresce e BC já prevê US$ 12 bilhões no ano
Autor: Ribeiro , Alex
Fonte: Valor Econômico, 25/03/2008, Finanças, p. C1

O déficit em conta corrente seguiu em trajetória de aceleração em fevereiro, somando US$ 2,090 bilhões, ante um superávit de US$ 376 milhões no mesmo mês do ano passado. Foi o quinto resultado mensal negativo, o que levou o Banco Central a subir de US$ 3,5 bilhões para US$ 12 bilhões sua projeção para o déficit em conta corrente deste ano, cifra que equivale a 0,86% do Produto Interno Bruto (PIB).

O saldo negativo acumulado até agora já chega muito perto do valor projetado pelo BC para o ano. No primeiro bimestre, o déficit somou US$ 6,322 bilhões. Em março, a estimativa do BC é mais um número negativo - US$ 3 bilhões -, que, caso se confirme, elevará o déficit em conta corrente acumulado no ano para US$ 9,322 bilhões.

Em janeiro, o país teve o primeiro déficit acumulado em 12 meses desde 2003, com US$ 2,402 bilhões. Esse déficit, medido na mesma base de comparação, subiu para US$ 4,868 bilhões em fevereiro e deve chegar a US$ 8,133 bilhões em março, caso se confirme a projeção do BC de um resultado negativo de US$ 3 bilhões neste mês.

No BC, o déficit em conta corrente é visto como reflexo natural do maior aquecimento da economia e da valorização da taxa de câmbio. Não seria possível, no entendimento da autoridade monetária, o país registrar a extraordinária expansão dos investimentos públicos e privados que vem sendo observada e, ao mesmo tempo, ampliar aceleradamente o consumo das famílias e do próprio governo. Para as contas fecharem, é necessário recorrer a financiamento externo.

O déficit de 0,86% do PIB é, para o BC, a melhor projeção para as contas correntes em 2008. Mas a autoridade monetária não se arrisca a fazer projeções definitivas sobre a evolução do indicador nos próximos anos. Não está descartada a hipótese de, em período de alguns meses, de um ano ou de uma década, o país vir a exibir déficits em conta corrente como o da Austrália (5,6% do PIB), Hungria (5,9%) e Turquia (7,7%). O tamanho do déficit, na visão do BC, depende da disposição dos investidores estrangeiros em financiar o país - e está fora do alcance da autoridade monetária tentar controlá-lo.

A política monetária, para o BC, deve estar unicamente voltada a controlar a inflação, sem objetivos paralelos, como conter a valorização do câmbio. A redução do déficit em conta corrente dependeria do uso de um outro instrumento de política economia, como a política fiscal. A aposta do BC é que, depois da aceleração deste início do ano, o déficit em conta corrente se acomode nos meses seguintes. É o que, de certa forma, está contemplado na projeções do mercado financeiro, que espera um déficit de US$ 9,75 bilhões em 2008, segundo pesquisa de expectativas do BC.

O chefe do Departamento Econômico do BC, Altamir Lopes, disse que o déficit em conta corrente do início do ano foi contaminado por um desempenho excepcionalmente negativo na balança comercial, que não deve se repetir no resto ano. O saldo comercial no primeiro bimestre foi de US$ 1,826 bilhão, decorrente de um aumento de 24% nas exportações e de 54% nas importações, na comparação com idêntico período de 2007. A projeção do BC para 2008 contempla uma expansão menos intensa nas importações (29%) e nas exportações (13%), o que produziria um saldo de US$ 27 bilhões.

"Houve uma concentração de importações no início do ano, incluindo petróleo", disse Lopes. Os cálculos do BC, afirmou, já levam em consideração a queda recente nos preços das "commodities" exportadas pelo Brasil.

Outro item que pesou bastante no resultado negativo acumulado até agora foram as fortes remessas de lucros e dividendos, que somaram US$ 1,293 bilhão em fevereiro e chegaram a US$ 4,317 bilhões no bimestre, alta de 97% em relação ao mesmo período de 2007. Os dados parciais de março registram, até o dia 24, um déficit de US$ 2,540 bilhões.

As fortes remessas líquidas ao exterior registradas neste início de ano levaram o BC a aumentar de US$ 20 bilhões para US$ 24 bilhões as saídas líquidas de lucros e dividendos projetadas para 2008. Lopes diz que as saídas de lucros e dividendos são resultado do aumento do estoque de investimentos estrangeiros diretos no país, da valorização do câmbio e do aquecimento da economia, que aumenta o lucro das empresas.

O segmento automobilístico remeteu US$ 865 milhões no primeiro bimestre, ou 28,9% do fluxo líquido de lucros e dividendos, num levantamento amostral do BC que inclui operações com valores a partir de US$ 1 milhão. Serviços financeiros são o segundo mais importante segmento nas remessas, com US$ 468 milhões (ou 15,6% do total), seguida pela metalurgia, com US$ 408 milhões (13,6%).

Lopes diz que o déficit em conta corrente não preocupa porque é amplamente financiado por capitais de longo prazo que ingressam no país. Em fevereiro, o ingresso de investimentos estrangeiros diretos somou US$ 890 milhões, cifra relativamente modesta se comparada com a média de US$ 3,041 bilhões observada nos últimos 12 meses.

Lopes pondera que, em fevereiro, os números finais foram comprometidos por três operações pontuais de repatriação de investimentos diretos, que somaram US$ 1 bilhão, duas no setor de alimentos e uma no segmento de comércio. Ele diz que as estatísticas parciais de março, que cobrem até o dia 24, registram um ingresso de US$ 2,3 bilhões em investimentos diretos - a expectativa é que o número se eleve a US$ 3 bilhões até o fim do mês.

O BC subiu de US$ 28 bilhões para US$ 32 bilhões sua projeção de investimentos diretos para o ano. Mas a projeção para o ingresso de investimentos em portfólio, incluindo renda fixa e investimentos em ações, foi reduzida de US$ 26 bilhões para US$ 12 bilhões. "A onda de IPOs (ofertas primárias de ações, na sigla em inglês) ocorrida no ano passado não deverá se repetir", diz Lopes.