Título: Em três anos, MP pediu mais abertura de inquéritos do que nos dez anteriores
Autor: Basile , Juliano ; Jayme , Thiago
Fonte: Valor Econômico, 31/03/2008, Política, p. A10

Antonio Fernando: "O MP não está dizendo o que fará; ele apresenta o que fez" O Ministério Público Federal vive um fase única em que bate todos os recordes de denúncias contra autoridades. Sem fazer alarde, o procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, encaminhou 120 pedidos de abertura de inquérito ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra ministros de Estado, senadores e deputados federais, desde que assumiu o cargo, em julho de 2005. No período, já ofereceu 33 denúncias ao STF, incluído o processo dos 40 do mensalão.

Antes de Antonio Fernando, o então procurador-geral Cláudio Lemos Fonteles pediu a abertura de 44 inquéritos ao Supremo e ofereceu 58 denúncias, em dois anos no comando do MP, entre 2003 e 2005. Em contrapartida, durante os oito anos de Geraldo Brindeiro na Procuradoria-Geral da República (1995 a 2003), foram apenas 42 pedidos de inquérito e nenhuma denúncia oferecida ao Supremo.

Antonio Fernando reconhece que o trabalho cresceu bastante em termos numéricos. "As denúncias têm aumentado e o trabalho tem sido feito de forma mais discreta", afirmou. "O MP não está dizendo o que fará; ele apresenta o que fez", enfatizou o procurador-geral.

Por trás deste "boom" recente de denúncias contra autoridades, estão três grandes fatores. Primeiro, o crescimento das operações de combate à corrupção pela Polícia Federal que, com isso, consegue municiar de provas os procuradores. Depois, a troca de informações entre os órgãos responsáveis pelas investigações, como a Polícia Federal, o Banco Central e a Receita Federal, iniciada com a primeira reunião da Estratégia Nacional de Combate à Lavagem de Dinheiro (Encla), no final de 2003. "Foi a primeira vez que os órgãos de investigação da administração se sentavam para conversar francamente", lembra Fonteles.

Por fim, a nova visão no comando do Ministério Público, que começou a ser aplicada na gestão de Fonteles, em meados de 2003. A determinação era a de investigar a classe política sem distinção partidária e, sobretudo, sem alarde na imprensa. "Se faz um trabalho de investigação seguro, competente e, depois, se apresenta o resultado", afirma Antonio Fernando.

O período atual, considerado como o de amadurecimento da cúpula do MP, é bastante diferente da época de "denuncismo" dos procuradores que atuavam na 1ª instância da Justiça. Durante o governo FHC (1995 a 2002), as investigações contra as autoridades eram realizadas por procuradores da 1ª instância que tinham uma relação tensa com o então procurador-geral. Brindeiro era conhecido por "engavetar" as denúncias contra autoridades do governo e, com isso, procuradores como Luiz Francisco de Souza e Guilherme Schelb passaram a atuar na linha de frente das grandes investigações, e a dar ressonância ao seu trabalho por intermédio da imprensa.

O resultado dessa prática foi uma multiplicação de ações e uma sucessão de reportagens em que altos funcionários do governo apareciam como investigados na Justiça. Este período de "denuncismo" na base do MP até hoje é criticado por alguns ministros do Supremo Tribunal Federal, onde tramitam ações com o objetivo de reduzir o poder de investigação da instituição.

A partir da gestão de Fonteles, os procuradores da 1ª instância pararam com o movimento de multiplicar ações contra o governo nos tribunais. O motivo, segundo Antonio Fernando e Fonteles: o próprio procurador-geral passou a ingressar contra as autoridades, conforme prevê a Constituição. "As atribuições que são minhas são minhas. Se você não se omitir nas suas atribuições, não há espaço para outra pessoa exercê-las", disse o atual procurador-geral, Antonio Fernando. Para Fonteles, a base do MP não via a liderança na cúpula. "Os promotores e procuradores de 1ª e de 2ª instâncias não confiavam na cúpula e investigavam por conta própria."

Antes, as investigações contra o comando do Banco Central eram movidas por procuradores da 1ª instância. Em seu primeiro ano à frente do MP, Fonteles pediu a abertura de investigação das declarações de Imposto de Renda do presidente do Banco Central, Henrique Meirelles - em processo no qual ele foi absolvido pelo STF. Antonio Fernando seguiu esta linha e denunciou os principais auxiliares do presidente Lula em pleno ano eleitoral, durante o escândalo do mensalão. Além disto, ele pediu a abertura de inquérito contra praticamente todos os parlamentares acusados no escândalo das sanguessugas, envolvendo tanto integrantes do governo quanto da oposição.

Para o procurador-geral, o MP vive uma fase de amadurecimento pleno caracterizada pela discrição com que trata os casos junto à imprensa. Antonio Fernando só dá notícia sobre uma investigação quando chega a um conjunto de provas robustas e decide pedir a abertura de inquérito ou arquivar o caso. Ele acha que obter resultados é muito mais importante do que aparecer nos jornais. Essa atuação discreta também é marcante em grandes discussões econômicas. No ano passado, coube ao MP pedir ao BC a alteração das tarifas bancárias, o que resultou na nova regulamentação para o setor financeiro. A cúpula do MP também provocou a revisão das tarifas nos pedágios. Atualmente, Antonio Fernando está atuando na alteração das tarifas da telefonia, mas só passará as suas conclusões à imprensa quando o trabalho chegar a um resultado final.