Título: Comércio ilegal de trigo se multiplica e esvazia as políticas governamentais
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 31/03/2008, Agronegócios, p. B18

O trigo, único produto que faz o Brasil dependente da Argentina, também foi atingido pelas novas regras de retenção que enfureceram os ruralistas argentinos. As exportações estão fechadas, mas quando voltarem serão taxadas entre 24% e 30%, contra os 28% de antes. "O produtor de trigo gera uma riqueza de mais de US$ 1 mil por tonelada, mas só 10% ficam com ele, quase tudo vai para os cofres do governo", reclamava na semana passada Alfredo Rodes, diretor executivo da Confederação de Associações Rurais das províncias de Buenos Aires e La Pampa (Carbap).

Dos 16 milhões de toneladas de trigo que a Argentina produz anualmente, o mercado interno consome apenas 5 milhões ou 6 milhões. O resto é exportado, e a maior parte para o Brasil, que abastece no principal sócio do Mercosul cerca de 70% dos 8 milhões de toneladas que importa.

Mas o grande gargalo do trigo argentino não são as retenções sobre exportações. Segundo o subsecretário de Agricultura do governo da Província de Buenos Aires, Fernando Vilella, a cadeia do trigo argentina tem sérios problemas devido a um mercado ilegal que dificulta a aplicação de políticas governamentais.

Segundo ele, por causa das retenções e da carga tributária, os moinhos compram uma parte da produção legalmente e outra parte sem declaração. "A cadeia do trigo não funciona bem na articulação entre produtores e industriais por causa do mercado negro", disse. Como não podem declarar a totalidade de suas compras, os moinhos não conseguem entrar nos programas de subsídios do governo.

O esquema de subsídios aos moinhos é a única política adotada para compensar a cadeia por não poder exportar. "O governo precisaria fiscalizar, mas prefere recolher os impostos no porto", dispara Gonzalo Villegas, produtor de trigo na região central da Província de Buenos Aires.

Além de não agir para regularizar o mercado, diz Villegas, o governo argentino não consegue encontrar um sistema que assegure rentabilidade ao produtor e que, ao mesmo tempo, permita a liberação para o exterior dos dois terços do trigo que o país não consome. "Nossa proposta é que a produção de farinha seja subsidiada para manter baixo os preços internos", diz este produtor.

Segundo ele, apesar das distorções, a produção argentina de trigo não está ameaçada em termos de volume, já que este setor teve um grande avanço em produtividade nos últimos dez anos. (JR)