Título: Vencimentos de dívida crescem no segundo semestre na AL
Autor: Lucchesi, Cristiane Perini
Fonte: Valor Econômico, 03/04/2008, Finanças, p. C14

Paulo Pampolin / Valor Otávio Lazcano, diretor da CSN: "Por enquanto, vamos ficar fora do mercado de capitais. A liquidez existe, mas as relações de força hoje pendem mais para o investidor do que para as empresas" As empresas da América Latina vão passar agora pelo seu primeiro grande teste após o contágio da crise das hipotecas americanas nos mercados, que teve início em meados do ano passado. Os vencimentos da dívida externa de longo prazo das companhias na região vão mais do que dobrar no segundo semestre em relação ao primeiro, segundo relatório da Moody's que será divulgado hoje. No Brasil, de acordo com os dados do Banco Central, os vencimentos da dívida externa do setor privado vão passar de US$ 7,9 bilhões neste primeiro semestre para US$ 14 bilhões no segundo.

"Uma grande concentração de vencimentos nos últimos seis meses do ano testará o apetite do investidor pelo crédito latino-americano", diz Alex Carpenter, analista da Moody's responsável pelo crédito corporativo na região. Pelos números da Moody's, que consideram as 150 empresas que têm seu risco de crédito classificado pela agência, 60 companhias têm dívida de longo prazo vencendo até o final de 2009. Os vencimentos do primeiro semestre serão de um total de US$ 2,371 bilhões, na comparação com os US$ 7,4 bilhões do segundo semestre.

O nível alto de liquidez das empresas traz tranqüilidade. "Estamos com geração de caixa tão expressiva e a posição líquida atual já é tão forte que não precisamos recorrer ao mercado neste ano, nem para rolar dívidas e nem para os nossos principais investimentos", diz o diretor-executivo financeiro da Companhia Siderúrgica Nacional, Otávio Lazcano. Neste momento, a CSN tem caixa líquido de US$ 2 bilhões, mais do que o suficiente para pagar US$ 275 milhões em eurobônus e R$ 200 milhões em debêntures que vencem no segundo semestre.

O investimento de US$ 3 bilhões da empresa para elevar a produção de minério de ferro de 15 milhões de toneladas para 100 milhões foram financiados em parte - US$ 600 milhões - pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Os US$ 2,5 bilhões que faltam podem ser financiados com a geração de caixa do próprio negócio em 2008, diz Lazcano. A receita líquida esperada é de US$ 2 bilhões e a geração de caixa operacional (ebtida), de US$ 1,2 bilhão. No ano passado, a CSN teve R$ 2,9 bilhões de lucro líquido, R$ 11,4 bilhões de receita líquida e ebtida de R$ 4,9 bilhões.

Segundo Lazcano, a CSN pode recorrer às agências de crédito à exportação dos países ricos, que podem financiar importações de equipamentos para projetos. "Por enquanto, vamos ficar fora do mercado de capitais", diz. "A liquidez existe, mas as relações de força hoje pendem mais para o investidor do que para as empresas."

A CSN não é uma exceção. Na média, as empresas da América Latina analisadas pela Moody's têm posição de caixa correspondente a 150% dos vencimentos em 2008 e 2009. A dívida já foi alongada aproveitando a liquidez dos anos anteriores: segundo a Moody's, os vencimentos em 2008 e 2009 representam só 10% da dívida total das 150 empresas analisadas. A CSN, por exemplo, tem dívida com prazo médio de onze anos e o caixa cobre os vencimentos até 2013. Como no caso da CSN, as receitas das grandes companhias continuam em alta, por causa do mercado interno aquecido e dos preços dos commodities em níveis recordes. A situação está tão tranqüila na região que, neste ano, a Moody's melhorou a nota de sete companhias na América Latina e rebaixou a nota de apenas três.

Há, no entanto, um terço das empresas analisadas pela Moody's que tem caixa abaixo de 100% dos vencimentos em 2008 e 2009, a maior parte com classificação de risco de crédito abaixo do "grau de investimento", o selo de investimento não especulativo das agências de rating. Essas empresas poderão ter de reduzir investimentos se não conseguirem rolar suas dívidas no segundo semestre, diz Carpenter. O analista aconselha as companhias que pretendem recorrer às agências de crédito à exportação ou aos organismos multilaterais para rolar dívidas a procurar planejar as captações desde já, pois esse tipo de crédito demora mais para ser desembolsado do que o do mercado de capitais.

Segundo Carpenter, neste momento há dinheiro disponível para a região, mas está em curso uma guerra entre os investidores, que pedem juros mais altos, e as empresas, que não concordam em pagá-las. "Por enquanto, ninguém quer aceitar uma derrota", diz Carpenter. A grande dúvida, na sua visão, são os preços dos commodities. Tradicionalmente, em situações de desaceleração econômica internacional, os preços dos commodities caíram. "Agora, há outras dinâmicas que têm mantido os preços em níveis de duas a três vezes acima de sua média histórica de longo prazo", afirma Carpenter. Lazcano comenta o aumento de 65% no preço do minério de ferro em 2008 e a expectativa de alta no preço do aço. Para Carpenter, mesmo uma queda de 30% nos preços dos commodities ainda deixaria as empresas latino-americanas em níveis confortáveis.

O estudo da Moody's considerou apenas empresas não-financeiras. Mas, no Brasil, os bancos são responsáveis por parte importante dos vencimentos de dívida externa no segundo semestre. Também nesse caso, no entanto, não há razões para preocupações, segundo Milto Bardini, presidente da Associação Brasileira de Bancos Comerciais (ABBC), a associação dos bancos médios. Segundo ele, os bancos de uma forma geral estão capitalizados, têm vencimentos compatíveis com seu tamanho e podem recorrer a outras fontes de financiamento, como os empréstimos com ajuda de organismos multilaterais ou operações no mercado interno, como os depósitos à prazo e os Fundo de investimento em Direitos Creditórios (FIDC), que proporcionam prazos longos, além da cessão de carteiras.

Bardini, que também é vice-presidente do BicBanco, conta que a instituição tem vencimento de US$ 30 milhões em agosto e US$ 40 milhões em dezembro. No ano passado, segundo ele, o BicBanco não fez captações por meio de eurobônus. Levantou R$ 250 milhões em financiamento ao comércio exterior, R$ 900 milhões com aumento de capital e mais R$ 2,10 bilhões com depósitos à prazo. Este ano, deixou de emitir eurobônus, pois não gostou dos juros pedidos pelos investidores, mas recorreu a um FIDC e empréstimo à exportação.