Título: Lei reduz pela metade prazo para recuperar tributos
Autor: Marta Watanabe, Fernando Teixeira e Henrique Gomes
Fonte: Valor Econômico, 15/02/2005, Especial, p. A20

A Lei Complementar nº 118/2005, que teoricamente adapta as normas tributárias à nova lei de falências, trouxe uma previsão que não se relaciona a nenhum tipo de recuperação judicial. Na prática, um dos artigos da lei reduz de dez para cinco anos o prazo para solicitar a restituição ou compensação de tributos pagos a mais, inclusive para os que foram julgados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Segundo a nova lei o prazo conta a partir da data de recolhimento. A alteração atinge os tributos que o próprio contribuinte calcula e recolhe, o que engloba os principais impostos e contribuições pagos pelas empresas. A previsão tem efeito para tributos federais, estaduais e municipais. Segundo especialistas, isso vai reduzir significativamente o volume de tributos em compensação nos processos judiciais e administrativos já em andamento porque, ao estabelecer cinco anos de prazo para recuperação de tributos, a nova lei diz que a mudança se faz "para efeito de interpretação" de um dispositivo do Código Tributário Nacional. "Como se trata de uma disposição interpretativa, teoricamente o Código Tributário Nacional sempre teria estabelecido o prazo de cinco anos", diz o advogado Antonio Carlos Salla, do Machado Associados. O coordenador geral das representações judiciais da Procuradoria Geral Fazenda Nacional, Fabrício Da Soller, ressalta que a mudança realmente é meramente interpretativa. "Portanto, tem efeito retroativo." Segundo ele, o dispositivo afetará os processos em andamento, mas não está nos planos da Procuradoria tentar reverter as ações que já estão encerradas. "Esses processos já estão com títulos executivos emitidos e seria muito difícil reaver os recursos. Mas para as ações que ainda estão em curso, vale o prazo de cinco anos." "É curioso que uma lei complementar de 2005 dê a interpretação de um código instituído por meio de uma lei de 1966. Ou seja, a interpretação veio somente 39 anos depois da lei original", diz o advogado Salla. A tributarista Paula Cristina Acirón Loureiro, do escritório Braga & Marafon, lembra ainda que a interpretação dada pela lei complementar choca-se com as reiteradas decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ). O tribunal tem dado aos contribuintes prazo de dez anos contados da data do recolhimento do tributo. O advogado Hélcio Honda, assessor jurídico da Federação da Indústria do Estado de São Paulo (Fiesp), diz que o prazo de cinco anos não poderá ser contestado porque foi devidamente alterado por lei complementar. "A retroatividade, porém, é perfeitamente discutível." A alteração não pode ser considerada meramente interpretativa, diz Honda. "Trata-se de uma nova norma que só poderá ter efeitos para o futuro. Não poderia retroagir." "A competência para interpretar uma lei é do Poder Judiciário", argumenta Paula Cristina. "A nova lei pode ser contestada por infringir a tripartição de poderes." A nova regra deverá afetar a compensação ou recuperação de tributos declarados inconstitucionais pelo Judiciário, como o antigo Imposto sobre Lucro Líquido (ILL) e o PIS pago com base nos Decretos-lei 2.445/1988 e 2.449/1988, entre outros. "Essa é uma medida puramente arrecadatória", diz o advogado Antonio Carlos Salla. O procurador Da Soller acredita que será difícil reverter o entendimento de que a mudança no CTN é interpretativa. Seria possível tentar envolver questão constitucional, mas o procurador da Fazenda acha pouco promissora alguma tese nessa linha. A alteração foi ao encontro do pensamento da Procuradoria da Fazenda Nacional, mas a estratégia do Fisco, segundo Da Soller, era atacar a tese dos dez anos no próprio STJ. "Já verificávamos que pelo menos metade dos ministros da primeira e segunda turmas manifestavam entendimento pessoal em favor dos 5 anos", diz o procurador. Essa opinião, manifestada durante alguns julgamentos, não resultava em votos divergentes nos julgamento porque os ministros - alguns novos na casa - respeitavam a posição dominante no tribunal. A procuradoria esperava apenas o momento oportuno para iniciar um trabalho para reverter jurisprudência do STJ. "Mas como houve a alteração, isso não será mais necessário", diz o procurador. O deputado Fernando de Fabinho (PFL-BA), relator do projeto da nova lei em sua primeira passagem pela Câmara dos Deputados, esclarece que a redução do prazo para a compensação de tributos ocorreu por influência do governo. "Nós negociamos, tivemos que ceder em alguns pontos, mas o governo é quem tinha maior interesse nisso." Ele acredita que a mudança no código tributário não é, necessariamente, maléfica para as empresas. "Depende do caso", disse. Já o deputado Carlito Merss (PT-SC) - um dos maiores acompanhadores dos projetos relacionados à lei de falências - esclarece que, depois que o texto das alterações das normas tributárias foi aprovado pelos deputados, esse ponto não foi mais discutido, sequer pelos senadores ou pelos deputados na segunda votação do projeto na casa.