Título: Preço-teto de Jirau desagrada e deve restringir deságio
Autor: Rittner , Daniel ; Capela , Maurício
Fonte: Valor Econômico, 11/04/2008, Empresas, p. B8

Mauricio Tolmasquim, presidente da EPE, disse que governo não adotou os R$ 85 do TCU para fomentar uma competição As grandes indústrias que negociam a compra de energia no mercado livre reclamaram da tarifa máxima fixada pelo governo para o leilão da usina de Jirau, em 12 de maio, a segunda hidrelétrica do rio Madeira, em Rondônia. O valor do megawatt-hora (MWh) ficou em R$ 91 - 25% abaixo do preço-teto estabelecido para Santo Antônio, embora a licitação da primeira hidrelétrica tenha apresentado um deságio de 35% que fez a tarifa cair de R$ 122 para R$ 78,87/MWh.

Para a Abrace, associação que reúne os grandes consumidores industriais de energia, o governo definiu um preço máximo "artificialmente baixo", com uma espécie de subsídio cruzado, para Jirau. Essa tarifa vale apenas para o mercado regulado - ou seja, para as distribuidoras, que atendem principalmente o comércio e as residências. Na avaliação da entidade, o investimento só se tornará atrativo ao setor privado com o encarecimento da energia no mercado livre, em que poderá ser negociada até 30% de toda a eletricidade produzida na usina.

"O gerador vai buscar no mercado livre a rentabilidade que ele deixará de ter no mercado regulado", disse Ricardo Lima, presidente-executivo da Abrace. Um executivo ligado à indústria informou ao Valor que a energia de Santo Antônio tem sido vendida aos consumidores livres por até R$ 130/MWh. As empresas afirmam ter poucas alternativas na busca de outras fontes de energia, pois há cerca de 8 mil MW em contratos que expiram até o fim de 2012. "A capacidade ociosa da indústria desapareceu nos últimos meses e é hora de pensar na expansão. Agora há um risco de comprometer o crescimento industrial por falta de energia no mercado livre. Ninguém na indústria quer energia barata para alimentar o lucro, só o preço justo para competir no mercado internacional", acrescentou Lima.

O economista Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infra-Estrutura (CBIE), considerou o preço de R$ 91 por MWh dentro do que o mercado poderia esperar para Jirau. Mas lembrou que o valor praticamente tira a chance de uma grande competição entre os consórcios, porque "abaixo do patamar de R$ 90 por MWh é quase inviável construir um empreendimento desse porte sem alguma situação nova". À época do leilão de Santo Antônio, o consórcio vencedor liderado por Odebrecht e Furnas disse que praticou um deságio forte, apoiada na previsão de antecipação da geração de energia do fim de 2012 para o começo daquele ano.

Já Mauricio Tolmasquim, presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), que elaborou o estudo sobre o preço-teto e que é controlada pelo Ministério de Minas e Energia, gostou do preço-teto mínimo definido. "O mais prudente é reduzir tudo o que é possível, mas sem colocar em risco a própria viabilidade do leilão. Pela competição, podemos até chegar a um nível abaixo dos R$ 85. Acho que fizemos análise que já reduziu muito o custo, em R$ 3,9 bilhões, do investimento inicialmente proposto", disse Tolmasquim. O Tribunal de Contas da União (TCU) havia recomendado preço máximo de R$ 85 por MW/h para Jirau.

O ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, seguiu a mesma linha de Tolmasquim. "Um preço menor poderia desestimular a competição", frisou Lobão que participou de um seminário no Rio de Janeiro. O ministro acredita que o preço mínimo de R$ 91 proporcionará algum deságio no leilão para a construção da usina, marcado para maio. Nessa modalidade de licitação, já adotada para a construção da usina de Santo Antônio, também no rio Madeira, ganha quem se propuser a construir a hidrelétrica e oferecer o menor preço pela energia vendida.

Contudo, nenhuma das companhias que participaram dos consórcios que disputaram Santo Antônio quis comentar o preço mínimo de R$ 91 para Jirau. O Valor procurou Odebrecht, Camargo Corrêa e a multinacional franco-belga Suez. Hoje, inclusive, no Rio de Janeiro, a Eletrobrás deverá definir as parcerias entre grupos privados e suas subsidiárias. Segundo fontes do mercado, é quase certo que a Odebrecht vai se compor novamente com Furnas, que Camargo Corrêa mantenha sua parceria com Chesf e que Suez repita a dobradinha com Eletrosul.

Segundo a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), que aprovou ontem a versão definitiva do edital do leilão de Jirau, o leilão será realizado em 12 de maio, em Brasília. A usina terá 3.300 MW de potência instalada e garantia física para gerar no mínimo 1.975 MW, de forma constante. As primeiras turbinas precisam começar a produzir energia até dezembro de 2013 e o prazo para implantação final do projeto é de sete anos e meio.

O valor total da usina é estimado pela EPE é de R$ 8,7 bilhões e a concessão valerá por 30 anos. O depósito de garantias deverá ser feito no dia 30 de abril. Para o diretor Edvaldo Alves de Santana, relator do processo de Jirau na Aneel, a queda da tarifa máxima em relação a Santo Antônio não elimina a possibilidade de deságio como resultado da disputa. "A economia está bastante estável e incentivadora de bons negócios", afirmou.

Mário Menel, presidente da Abiape, entidade que reúne auto-produtores de energia, descartou a participação de seus associados no leilão. "A princípio, estamos fora", lamentou Menel, que não teve seus pleitos atendidos pelo governo. A Abiape - que congrega empresas como Vale, Votorantim e CSN - pedia a criação de duas sociedades de propósito específico (SPE) distintas para gerir a hidrelétrica. Uma atenderia exclusivamente o mercado regulado; outra ficaria com os grandes consumidores livres. Cerca de 30% da energia de Jirau vai para o mercado livre.

Com essa engenharia societária, as grandes indústrias procuram fortalecer juridicamente o papel de auto-produtoras e evitar tributação excessiva na comercialização de energia. Se a SPE é uma só, elas tornam-se pessoas jurídicas diferentes. (Colaborou Rafael Rosas, do Valor Online, do Rio)