Título: Governos negociam e podem adiar livre comércio automotivo
Autor: Leo , Sergio
Fonte: Valor Econômico, 17/04/2008, Especial, p. A16

Desentendimentos na área comercial voltam a azedar as relações entre Brasil e Argentina.

Após um período de entendimentos e discussões cordiais na comissão de monitoramento de comércio dos dois países, os governos discutem, na terça-feira, as queixas brasileiras contra as regras de exportação de trigo e farinha de trigo da Argentina ao Brasil. Amanhã, o secretário-executivo do Ministério do Desenvolvimento (MDIC), Ivan Ramalho, se reúne com representantes da indústria automotiva para definir uma proposta a ser levada aos argentinos, que se recusam a cumprir a previsão de livre comércio no setor a partir de 2009.

A reunião da próxima semana seria apenas para discutir propostas para o regime automotivo entre os dois países, mas o governo brasileiro levará à discussão a insatisfação crescente com as barreiras argentina à exportação de trigo, a pretexto de abastecimento do mercado interno.

O esforço argentino de remontar a indústria no país fez o governo de Cristina Kirchner avisar ao Brasil que não aceitará o início do livre comércio de produtos automotivos a partir do fim de 2008, como os dois países haviam se comprometido, após sucessivos adiamentos da data. O comércio de produtos automotivos representa quase 40% dos US$ 30 bilhões em exportações e importações entre Brasil e Argentina. Os argentinos argumentam que, embora tenha crescido a exportação de automóveis da Argentina ao Brasil, esse resultado provoca um aumento excessivo da importação de autopeças brasileiras.

O governo brasileiro tem buscado uma solução, e já admite a prorrogação, por mais tempo, das regras de controle do comércio. Quer, porém, um plano mais definido de liberalização. "Queremos um plano de cinco anos", explicou Ramalho. "Ainda que o comércio automotivo não esteja mercosulizado, um horizonte de tempo, com regras pré-definidas, daria maior estabilidade para os que decidem investimentos", argumenta ele. Hoje, as vendas de produtos automotivos de um país ao outro estão limitadas a um percentual do que um compra do outro.

Segundo os representantes da indústria de autopeças, antes do livre comércio os argentinos ainda querem uma fase de mudança no chamado sistema "flex", que é a proporção permitida de carros e peças importados e exportados entre os dois países sem o pagamento de imposto de importação. Hoje, para cada US$ 1 exportado o país vizinho pode importar US$ 1,95 com isenção de impostos. Os argentinos querem elevar o "flex" para US$ 2,95, segundo Paulo Butori, presidente do Sindipeças, que avalia a proposta como uma espécie de "seguro": "Se uma crise atrapalhar as vendas no mercado interno, os argentinos poderão desviar os produtos para o Brasil, protegidos por um acordo."

Butori diz que do lado brasileiro, os fabricantes de autopeças tendem a aceitar uma mudança, mas num valor menor. "A idéia é negociar essa mudança agora para depois liberar o livre comércio."

"A agenda do trigo tem uma pauta difícil, continua muito preocupante", desabafou Ramalho, durante a versão latino-americana do Fórum Social Mundial, no México. Apesar das promessas de regularização dos embarques de trigo ao Brasil, os argentinos ainda não retomaram as autorizações de exportação, queixou-se Ramalho, que reclama também do não cumprimento da promessa argentina de reduzir a diferença entre as alíquotas do imposto de importação de trigo e de farinha.

Com imposto equivalente ao dobro do aplicado sobre a farinha, a Argentina faz com que a matéria-prima chegue aos moinhos brasileiros por preços bem maiores que o encontrado pelos concorrentes argentinos no mercado local. Em março, ao prometer retomar os registros de exportação, em até 1,2 milhão de toneladas por quatro meses, o governo argentino anunciou ao MDIC que reduziria à metade a diferença entre o imposto de exportação do trigo e da farinha. A redução não aconteceu.

À coleção de desentendimentos ameaçam somar-se outros setores, como o de celulares, que prevê exportações superiores a US$ 500 milhões ao sócio. Uma recente mudança das regras de classificação de mercadorias no Mercosul, pôs os celulares com grande conteúdo importado de outros países na categoria de produtos estrangeiros, sem isenção de tarifa de importação. O Brasil suspendeu a aplicação das regras e pediu uma adequação do sistema de classificação para evitar interrupção do comércio de celulares, mas os argentinos responderam com um convite às empresas, para "conversas". (Colaborou Marli Olmos, de São Paulo)