Título: A matriz energética e a política
Autor: Insulza , José M.
Fonte: Valor Econômico, 22/04/2008, Opinião, p. A15

No oceano de incertezas que se converteu o tema da energia atualmente, existem três certezas irrefutáveis: a energia é um tema crítico para todos os países do mundo - não importa seu tamanho; ela é essencial para o desenvolvimento e a distribuição desigual de recursos energéticos - em escala mundial e regional; e tende a gerar situações de tensão entre os países. A nossa região não escapa da realidade dessas certezas e este fato motiva uma crescente preocupação sobre o tema. A nossa abundância de recursos energéticos contrasta severamente com um cenário de crescentes necessidades não atendidas. Hoje, todos os nossos países, inclusive os exportadores líquidos de energia, enfrentam problemas relacionados ao fornecimento, distribuição e geração. O cenário de insegurança energética gerada por esse fato é claramente demonstrado hoje: cerca de 50 milhões de pessoas na América Latina e no Caribe não possuem acesso certo à energia elétrica ou está além das suas condições financeiras.

Com um olho no futuro, em 2030 - de acordo com dados do Banco Interamericano de Desenvolvimento - a demanda energética da América Latina será 75% maior e a capacidade de geração elétrica precisa crescer em 144%. Seremos capazes de superar esse desafio? Mantendo as tendências atuais, certamente não conseguiremos. A matriz energética da nossa região está baseada, em grande parte, nos combustíveis fósseis. Essa dependência cria uma grave ameaça que também afeta os grandes produtores de petróleo da região, que hoje enfrentam severas ameaças em termos da eficiência das suas indústrias, cujas reservas, por maiores que sejam, devem se esgotar até o final do século.

Em termos de gás natural, a situação também não é satisfatória, pois as reservas da América Latina representam apenas 4,1% do total das comprovadas no mundo e, com o desenvolvimento relativamente atrasado do setor, seu consumo representa apenas 6,8% do total global.

Nesse contexto, a nossa região também não escapa da terceira das certezas do mundo energético: a distribuição desigual de recursos energéticos e os efeitos sobre o cenário geopolítico regional. O forte desequilíbrio regional entre países produtores e países importadores de recursos energéticos não apenas leva as nações a viver de maneira distinta e até totalmente oposta à evolução do mercado global de energia, especialmente em termos do aumento de preços, mas também permite aos países produtores criar áreas de influência ou obter concessões especiais dos países importadores.

Como mudar essa situação? Em primeiro lugar, é fundamental promover a eficiência energética em todos os setores da economia, porque um quilowatt economizado é sempre mais barato que um quilowatt gerado. As medidas de economia energética oferecem uma solução rápida, barata e limpa de aumentar a oferta de energia, reduzir a necessidade de investimentos futuros e liberar recursos.

-------------------------------------------------------------------------------- Medidas de economia energética oferecem uma solução rápida, barata e limpa de aumentar a oferta de energia e reduzir a necessidade de investimentos --------------------------------------------------------------------------------

Como solução estrutural, acredito que em todos os casos, não apenas para os países numa situação de desvantagem, devemos também promover a diversificação da matriz energética, buscando adequar o equilíbrio entre diversas fontes de energia para garantir maior segurança na disponibilidade de recursos e independência dos seus provedores.

Já existem esforços nesse sentido no Brasil e no Chile, que são os maiores consumidores de gás natural na região e que decidiram ampliar sua matriz energética incorporando o gás natural líquido, importando de diversos países dentro e fora de região.

O uso de fontes alternativas e renováveis é um caminho especialmente propício para diversificar a matriz energética. Basta recordar que a nossa região é favorecida pela grande diversidade de recursos naturais renováveis, que podem ser convertidos em energia limpa como eletricidade e/ou combustíveis líquidos (etanol e biodiesel). Também devemos considerar que o uso de energias renováveis não é novidade nesse hemisfério e a busca pela diversificação da matriz energética não representa nenhum grande risco ou aventura. Podemos falar apenas da energia hídrica, que tem sido uma peça importante na matriz energética da região durante muitos anos e que abastece aproximadamente 90% de todas as necessidades de um país como o Brasil.

Outra alternativa é a energia nuclear. Os países da América Latina e do Caribe que contribuíram durante 40 anos para a não-proliferação de armas nucleares por meio do Tratado de Tlatelolco, que rejeita as armas nucleares e condena permanentemente seu uso ou a ameaça de usá-las como uma violação do direito internacional, não devem se sentir inibidos para pesquisar, desenvolver e produzir energia nuclear para finalidades pacíficas, no sentido de facilitar o acesso a combustíveis nucleares a preços razoáveis para abastecer reatores gerando energia elétrica. A energia gerada pelas estações nucleares não produz emissões sulfurosas ou de mercúrio, ou gases de efeito estufa. Do outro lado, considerando os preços atuais de combustíveis sólidos, a energia nuclear poderia ser mais barata que a energia produzida com petróleo ou gás natural.

Se explorarmos todos esses campos, a busca pela diversificação da matriz energética pode contribuir de maneira decisiva para aumentar a segurança energética em nossos países, superando todos os obstáculos criados pela energia ao crescimento e desenvolvimento econômico da região, e, acima de tudo, eliminando focos de tensão que o atual desequilíbrio energético provoca entre nossos países.

José Miguel Insulza é secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA). O artigo foi especialmente produzido na preparação da reunião do World Economic Forum, realizada nos dias 15 e 16 de abril, em Cancún, no México.