Título: União de pobres equilibra o poder de países ricos, diz Lula
Autor: Sergio Leo
Fonte: Valor Econômico, 17/02/2005, Brasil, p. A4

O governo brasileiro vai fazer "todo o possível" para "recuperar o tempo perdido" pelas elites do país, que não davam atenção à integração com os países pobres, prometeu o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em discurso para os chefes de Estado da Comunidade dos Países do Caribe (Caricom). No pronunciamento, Lula, mais uma vez, comparou a política externa à vida sindical. "Aprendi uma lição quando era dirigente sindical: a unidade dos trabalhadores possibilitava termos mais conquistas no enfrentamento com o empresariado", lembrou. "Na política entre Estados, a coisa não é diferente". "O que pode contrabalançar o poder econômico dos ricos é o poder político dos pobres", discursou Lula, depois de relatar suas viagens como presidente a mais de 40 países em desenvolvimento, que classificou como prioridade do governo, e com os quais quer firmar uma "aliança estratégica". "Embora meu país tenha conquistado a independência em 1822, a verdade é que a cabeça política da elite brasileira esteve durante todo esse tempo voltada para os países desenvolvidos, e pouca importância se dava aos países pobres", disse o presidente. Ele classificou o convite para a reunião do Caricom como a oportunidade "mais significativa" de encontro internacional em todo o mandato. Empolgado, Lula chegou a dizer que, ao chegar ao governo, o Mercosul estava "falido", sem nenhuma credibilidade. "Em dois anos, recuperamos o Mercosul e aconteceu uma coisa até então inacreditável: todos os países da América do Sul hoje são associados do Mercosul", disse o presidente. Ele aparentemente esqueceu-se de que os dois países que visitou nos últimos dias, Guiana e Suriname, não se associaram ao bloco sul-americano, embora tenham aderido à proposta de comunidade sul-americana de nações, lançada no ano passado pelo Brasil. Lula afirmou que assumia o compromisso, com o Caricom, de estender aos outros países da América Latina, do Caribe, da África e a todas as nações árabes o esforço de associação "consolidado" na América do Sul, para contrabalançar, com o "poder político", o poder econômico dos países ricos. "Mas isso só dará certo se todos nós chegarmos à mesma conclusão que a comunidade caribenha chegou: somos pequenos, pobres, mas temos um povo que sabe o que quer, que tem consciência", defendeu o presidente. Lula prometeu estudar "com atenção" o pedido do presidente da Guiana, Bharrat Jagdeo, de associação do Brasil ao Banco Caribenho de Desenvolvimento. Lula dedicou parte do discurso a remover os receios dos países caribenhos, que temem perder vantagens no mercado europeu para o açúcar que produzem, devido à ação movida - com sucesso - pelo Brasil, na Organização Mundial do Comércio (OMC), contra os subsídios europeus à exportação de açúcar. "Jamais questionamos as preferências comerciais concedidas pela União Européia aos países caribenhos", garantiu. Lula lembrou a ação do G-20, grupo de países liderados pelo Brasil para defender interesses dos países em desenvolvimento na discussão de agricultura na OMC, como exemplo da associação que defende entre países pobres. "A criação do G-20 foi a demonstração viva de que existe um espaço político muito grande para que façamos valer nossos interesses nas negociações internacionais", defendeu. Lula ainda pediu apoio para a candidatura do brasileiro Luiz Felipe de Seixas Corrêa para a eleição, neste ano, do novo diretor-geral da OMC, e anunciou o apoio ao chileno José Miguel Insulza para a Organização dos Estados Americanos (OEA) - para o qual o governo brasileiro também obteve votos durante a viagem à Guiana e Suriname, contra um candidato de El Salvador apoiado pelos Estados Unidos. Para mostrar o interesse brasileiro em proteger os países do Caribe na briga do açúcar, Lula ofereceu aos governos do Caricom cooperação para programas de capacitação técnica no setor sucroalcooleiro, com transferência de tecnologia para produção de etanol e para projetos conjuntos de promoção comercial. No Suriname, Lula deu uma demonstração concreta do tipo de associação que defende entre os países em desenvolvimento, ao patrocinar, com sua comitiva, um acordo pelo qual concedeu uma cota de 20 mil toneladas para importação, sem imposto, de arroz surinamês. "É mais fácil importar esse arroz do Suriname para o Pará, pela hidrovia, que trazê-lo do Sul", explicou o ministro do Desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan. Em troca, o governo obteve o compromisso do governo do Suriname de abertura do mercado local para produtos eletroeletrônicos da Zona Franca de Manaus. O ministro do Comércio do Suriname, Jong Tjien Fa, a convite do ministro Furlan, visitará Manaus em 1º de março, para discutir o assunto.