Título: Commodities perdem força em abril
Autor: Lopes , Fernando
Fonte: Valor Econômico, 02/05/2008, Agronegócios, p. B14

A perda de sustentação provocada pelo tremor que abalou os mercados financeiros mundiais na segunda quinzena de março deixou seus reflexos sobre o comportamento das cotações das principais commodities agrícolas negociadas pelo Brasil no exterior também em abril.

Levantamento do Valor Data baseado nos preços médios mensais dos contratos futuros de segunda posição de entrega (normalmente os de maior liquidez) transacionados em Chicago e Nova York mostra que, dos oito produtos pesquisados, só o milho subiu em relação à média de março. Açúcar, café, cacau, suco, algodão, soja e trigo recuaram.

Segundo analistas, a redução da participação dos fundos de investimentos nesses mercados nas primeiras semanas após o recrudescimento da turbulência global foi determinante para as curvas observadas. Essa fuga já arrefeceu, o que sinaliza que as guinadas financeiras e os fundamentos de cada commodity continuarão se confundindo para a formação dos preços - que não deverão entrar em queda-livre em razão do cenário de longo prazo.

Mais atraente e movimentada por concentrar produtos básicos para a alimentação, a bolsa de Chicago espelha essa realidade. Ali os fundos reduziram sua presença na segunda quinzena de março e pressionaram principalmente o "superinflado" trigo, ainda que milho e soja também tenham perdido fôlego nessa frente. No balanço das médias mensais, a soja caiu e o milho subiu em abril, deixando cristalina a influência do plantio da safra 2008/09 nos EUA, onde a área do primeiro avança sobre a do segundo. Mais na soja do que no milho, o escoamento da safra 2007/08 da América do Sul também serviu para segurar as cotações.

No mercado de soja em Chicago, diz Fernando Muraro, da AgRural, os fundos comerciais, que tradicionalmente investem na commodity, reduziram suas posições compradas do equivalente a 21 milhões de toneladas, no fim de fevereiro, para 16 milhões agora. Para os fundos de índices, que ganharam peso nas bolsas agrícolas particularmente a partir de 2006, a queda foi de 27 milhões para 22 milhões de toneladas.

Somando-se esse fator à sinalizada elevação de produção e estoques americanos e ao escoamento da safra sul-americana, houve uma queda de 2,75% da cotação média do grão no mês passado, para US$ 13,2982 por bushel. Nos últimos 12 meses, porém, o ganho ainda é de 76,67%.

"Com a sazonalidade negativa, os preços poderão testar patamares menores em maio, que será um mês de transição antes de um reaquecimento forte do mercado em junho e julho", afirma Muraro. Ele espera um novo aumento da participação dos fundos com o andamento das safras do Hemisfério Norte, especialmente a dos EUA, maior potência agrícola e referência de preços do planeta.

Mais "inchado" pela influência financeira - e apesar de perdedor na divisão americana de áreas de plantio, o trigo tombou em abril, mesmo com as travas às exportações na Argentina. O preço médio caiu 18,49% em Chicago, para US$ 8,9557 por bushel, mas acumula valorização de 84,75% em 12 meses, a maior entre as oito commodities pesquisadas.

-------------------------------------------------------------------------------- Cenário de longo prazo, ainda sustentado pela demanda dos países emergentes, reduz espaço para tombos --------------------------------------------------------------------------------

"O trigo bateu recorde de alta em 12 de março e, a partir da segunda quinzena do mês, os preços despencaram. Agora o mercado está mais equilibrado, ainda que apresente um viés baixista", diz Élcio Bento, da Safras&Mercado. Para ele, é tempo de olhar os fundamentos, e há estimativas que apontam para uma produção mundial de 645 milhões de toneladas em 2008/09, ante as 607 milhões do ciclo 2007/08.

Também o consumo deverá crescer, mas alguma recomposição de estoques tende a acontecer. "Mesmo assim a relação entre oferta e demanda seguirá apertada, o que não deve deixar espaço para quedas muito fortes", diz. Afinal, o apetite dos emergentes é crescente e justifica a aposta nos alimentos no longo prazo, apesar da indigestão financeira irradiada a partir dos EUA. E os biocombustíveis, vilões da agroinflação graças ao etanol de milho americano, continuam na praça.

Com esse horizonte e projeções de queda na produção e estoques dos EUA em 2008/09, o preço médio do milho subiu 8,43% em Chicago em abril, para US$ 6,0669 por bushel, ampliando a alta acumulada em 12 meses para 62,61%. Não há nessa frente, segundo Paulo Molinari, também da Safras, justificativas para quedas significativas de preços até 2009, a não ser em casos de forte valorização do dólar ou queda brusca do petróleo, fatores importantes na equação das cotações agrícolas.

O algodão também perderá área nos EUA em 2008/09. Uma notícia "altista" que não foi capaz de evitar a retração de 6,74% de seu preço médio em abril na bolsa de Nova York, para 74,70 centavos de dólar por libra-peso. O mercado nova-iorquino negocia as chamadas "soft commodities", secundárias em relação aos grãos do ponto de vista de consumo e mais contaminada do que Chicago por movimentos de especuladores.

Thomas Hartmann, da TH Consultoria, ilustra esse contágio com o cacau. Em meados de março, quando o cacau alcançou máximas históricas em Nova York, diz, a exposição especulativa girava entre 65 mil e 72 mil lotes. Caiu para pouco mais de 40 mil, e não por acaso em abril a cotação média do produto recuou 1,89%, para US$ 2.573,64 a tonelada.

"Muitos fundos saíram, mas poderão voltar até em número maior". Entre os fundamentos, nada de novo. A previsão é de pequeno déficit global este ano, apesar de o consumo estar retraído em virtude da elevação dos preços. Hartmann nota que as cotações já começaram a se recuperar no fim de abril, com o término das safras principais africanas e a escassez de vendedores no mercado. Também caros e à mercê das manobras dos especuladores, açúcar, café e suco de laranja também perderam fôlego em abril.

Entre os demais produtos agrícolas negociados no mercado internacional, destaca-se o arroz, que também não seguiu a tendência geral e voltou a aumentar em abril, ampliando para mais de 80% sua valorização em 12 meses em Chicago. Pouco negociado pelo Brasil no exterior e protagonista maior da espiral inflacionária na Ásia, o cereal tem pela frente, conforme analistas, um cenário firme para o curto prazo.