Título: Ministério perderá força política
Autor: Jayme , Thiago Vitale
Fonte: Valor Econômico, 15/05/2008, Política, p. A9

O deputado Fernando Gabeira (PV-RJ) faz uma avaliação positiva da passagem da senadora Marina Silva (PT-AC), pelo Ministério do Meio Ambiente no governo Luiz Inácio Lula da Silva. O parlamentar destaca a política de criação de reservas ambientais e o combate ao desmatamento como pontos altos do trabalho da petista.

Gabeira elogia também a forma como a ministra deixou o governo, com uma carta enviada ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que teria ficado insatisfeito com a repercussão do documento. Embora elogie o trabalho de Marina, o deputado avalia que ela fracassou na tentativa de fazer com que o meio ambiente fosse levado em conta nas políticas do governo.

A seguir, os principais trechos da entrevista ao Valor:

Valor: Que avaliação o senhor faz da forma como Marina Silva deixou o governo?

Fernando Gabeira: Ela saiu da maneira que as pessoas corretas saem. Escrevendo uma carta, entregando ao governo e se afastando do cargo. Existia uma expectativa do governo de que ela saísse de uma forma discreta, mas é uma ilusão. Qualquer saída teria muita repercussão.

Valor: O que o senhor achou do conteúdo da carta?

Gabeira: O trecho mais importante é onde a Marina diz que o presidente é testemunha das resistências tanto no governo quanto na sociedade do desenvolvimento da agenda ambiental. Essa afirmação é muito importante porque a Marina sempre propôs a transversalidade, a idéia de que as questões ambientais deveriam estar presentes em todas as decisões dos ministérios. E não precisa ser muito perspicaz para observar que ela não foi ao lançamento da política industrial. Significa que a questão ambiental não esteve presente na formulação da política industrial. No meu entender, é uma derrota na política dela. A questão ambiental não está presente nas questões do país e todas as outras questões interferem na questão ambiental. Para quem acompanha a trajetória dela do ponto de vista de formulação, percebe que é o reconhecimento do fracasso.

Valor: Mas o saldo da ministra é positivo?

Gabeira: É. Nunca vamos avaliar muito um projeto como o dela pura e simplesmente pelo que ela fez. Temos de computar tudo o que ela evitou. E o maior mérito dela foi ter evitado coisas piores. Do ponto de vista de criação de áreas de preservação ambiental, a política foi muito positiva. Ela criou áreas muito mais amplas do que se poderia criar. Outro ponto positivo foi o trabalho no sentido de fiscalizar o desmatamento. Mas, recentemente, com a volta do desmatamento, observou-se certa limitação do trabalho. E as medidas severas que ela tomou para evitar esse avanço contribuíram para a queda dela. Nesse campo, era preciso combinar um pouco mais o processo de estímulo ao crescimento sustentável com a fiscalização, algo que vem a surgir agora no Programa Amazônia Sustentável (PAS), cuja direção foi retirada dela.

Valor: E colocar o PAS no controle do ministro de Assuntos Estratégicos, Roberto Mangabeira Unger, foi um erro?

Gabeira: Eu acho que deveria estar no Meio Ambiente, mas acho até que o governo poderia nomear uma autoridade nacional para conduzir esse processo. Alguém que pudesse colocar todos os atores na mesa e tentar o avanço na Amazônia. Não sei se o Mangabeira tem conhecimento da região para desenvolver esse papel. Agora, qualquer um que fosse colocado teria de ser vinculado à Marina.

Valor: Carlos Minc terá a força política da ministra?

Gabeira: Nenhum nome depois que Marina saiu poderá manter a força política que ela tinha. Ela foi escolhida em função de uma ampla expectativa. Eu acho que, analisando bem, talvez as qualidades que ela tinha podem ser mantidas sem perda de substância. Isso significa que se pode pensar o meio ambiente harmonizado com o desenvolvimento, mas ter um sistema mais eficaz de licenciamento. Pode-se ter, também, uma maior flexibilidade na negociação com os governadores da Amazônia e com os políticos brasileiros comprometidos com a destruição da floresta. Acho que essas qualidades só seriam interessantes se for mantida a política da Marina, sem conceder mais do que ela concedeu, mas procurando um pouco mais de flexibilidade.

Valor: Houve erros que possam ter fragilizado a ministra?

Gabeira: Não acho que haja erros que possam ser imputados somente a ela. O primeiro foi a importação de pneus usados do Paraguai e do Uruguai, que foi feita sem consultá-la. Depois, a perspectiva de aprovar plantações clandestinas de transgênicos, em desrespeito à lei. Por fim, a pressão muito grande que ela sofreu para que o licenciamento fosse mais rápido. Se ela tivesse tido a capacidade de exigir maiores recursos e melhor capacitação técnica para agilizar os licenciamentos, ela teria avançado um pouco mais. Ela fez tudo o que pôde fazer dentro dos limites, nas dificuldades de relacionamento político com o resto do governo e dentro dos limites de gestão no ministério.