Título: Grupos acertam detalhes para leilão de Jirau
Autor: Rittner, Daniel
Fonte: Valor Econômico, 19/05/2008, Empresas, p. B8

Executivos dos dois consórcios que participam hoje do leilão da usina de Jirau, a segunda hidrelétrica do rio Madeira, esquadrinhavam nas últimas horas suas estratégias para a disputa. Com segurança reforçada e um esquema policial mantido em segredo, o leilão deverá ter início às 14 horas, na sede da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), em Brasília. Todo o aparato é para evitar a repetição dos distúrbios ocorridos em dezembro, na licitação de Santo Antônio, primeira das duas usinas do Madeira. Na sexta-feira, a justiça indeferiu o pedido de liminar para suspender o leilão de Jirau, ajuizada pelo Instituto de Proteção e Defesa dos Consumidores e Cidadãos do Brasil (IPDC).

Reunindo pesos-pesados do setor, os dois consórcios - Jirau Energia, liderado pela Odebrecht, e Energia Sustentável do Brasil, encabeçado pela multinacional franco-belga Suez Energy - faziam cálculos sobre o deságio que poderão oferecer e se queixavam muito do preço-teto definido pelo governo, de R$ 91 por megawatt-hora (MWh). O presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Maurício Tolmasquim, minimizou as reclamações, que ele considera "um jogo de recados natural" pré-leilão. E disse estar certo de uma competição acirrada. "Os dois consórcios são muito fortes e têm grande poder de disputa."

No leilão de Santo Antônio, cujo preço-teto foi de R$ 122/MWh, o grupo liderado pela Odebrecht e pela estatal Furnas venceu ao oferecer deságio de 35%, com tarifa de R$ 78,87. Os consórcios fizeram simulações para mostrar que agora, mesmo se não houver um único centavo de deságio, a tarifa de Jirau será proporcionalmente menor daquela verificada na primeira licitação. Para isso, as simulações incorporam correção pelo IPCA do período - 2,08% de dezembro a abril. Também levam em conta a diferença na quantidade de energia assegurada de Jirau, que deverá entrar em funcionamento em janeiro de 2013.

Para evitar qualquer tipo de impacto ambiental na Bolívia nos períodos de cheia, essa hidrelétrica, mais próxima da fronteira, terá produção firme de 1.975 MW - no caso de Santo Antônio, são 2.218 MW. Tudo considerado, dizem fontes das empresas, a tarifa que saiu vencedora do leilão de dezembro seria hoje de R$ 91,05, nas mesmas condições.

Há outras complicações. Enquanto a usina Santo Antônio está a cinco quilômetros de Porto Velho, capital de Rondônia, Jirau está a 130 quilômetros. Isso tende a aumentar os custos logísticos - com maquinário e pessoal empregado - e ambientais, já que a segunda hidrelétrica fica em região de mata mais fechada.

A favor da Odebrecht, na disputa de hoje, pesa o fato de que o consórcio liderado por ela terá ganhos de escala ao construir as duas usinas paralelamente. O governo espera a licença de instalação do Ibama, que autoriza o início das obras, para julho. Isso possibilitaria que os canteiros fossem instaladas quase juntos.

Para contrabalançar o favoritismo de Odebrecht/Furnas, os dois grupos que disputaram a usina Santo Antônio uniram forças no novo leilão. A Suez lidera o consórcio, com 50,1% de participação, e aliou-se a Camargo Corrêa, Chesf e Eletrosul. Do consórcio Jirau Energia também fazem parte Cemig (10%), Andrade Gutierrez Participações (12,4%) e um fundo de investimentos dos bancos Banif e Santander (20%).

Os dois grupos concorrentes montaram soluções de engenharia diferentes para o empreendimento. A Odebrecht, que tocou os estudos sobre o complexo hidrelétrico do Madeira desde o início com Furnas, prevê o uso de turbinas bulbo nas usinas. Essas turbinas, utilizadas em somente três outras hidrelétricas no Brasil, aproveitam a força das águas característica dos rios da Amazônia -para produzir energia. Já a Suez tem uma solução que abre oportunidade para o eventual uso de turbinas kaplan, mais tradicionais no país, que geram energia a partir da queda d'água.

Em meio às reclamações dos consórcios sobre a tarifa máxima, o BNDES alterou discretamente as condições de financiamento da usina de Jirau. O banco continuará financiando até 75% do empreendimento e em prazo de 25 anos, à semelhança do que ocorre com Santo Antônio, mas melhorou dois outros aspectos do pacote de crédito. O índice de cobertura do serviço da dívida (ICSD) baixou de 1,3 para 1,2. Isso significa que as garantias a serem oferecidas pelo empreendedor ao tomar o empréstimo devem cobrir 120% - e não mais 130% - do valor total do investimento, estimado pela EPE em R$ 8,7 bilhões. Outra mudança diz respeito à forma de correção da dívida a ser amortizada. Antes era obrigatoriamente corrigida pela tabela SAC (com prestações variáveis) e agora o empreendedor poderá optar pela tabela "price" (com prestações fixas).

De acordo com a Aneel, 39 distribuidoras se habilitaram para comprar energia de Jirau, em uma negociação que acontecerá também no leilão de hoje.