Título: Kadafi nas cordas
Autor: Sabadini, Tatiana
Fonte: Correio Braziliense, 21/02/2011, Mundo, p. 16

A noite de domingo chegou para o ditador da Líbia, Muamar Kadafi, com sinais de que seu governo de quatro décadas enfrenta a mais grave crise. Em menos de uma semana, os protestos contra o regime acumularam um saldo de mais de 200 mortos e cerca de 700 feridos, segundo a organização Human Rigths Watch (HRW). E os confrontos entre a polícia e os manifestantes devem continuar hoje. Em discurso transmitido pela televisão estatal, no fim da noite, o filho do presidente, Saif El-Islam Kadafi, declarou que o país está ¿à beira da guerra civil¿ e é alvo de um ¿complô estrangeiro¿. O governo rebateu os números divulgados pela imprensa internacional e afirmou que 48 pessoas haviam morrido nos conflitos. Os Estados Unidos pediram que as autoridades do país autorizem as manifestações pacíficas, enquanto a União Europeia (UE) recomendou o início de um diálogo com a oposição.

Nos últimos três dias, o governo líbio tentou sufocar a revolta com bombas de gás lacrimogêneo, tiros de metralhadora e cortes nos serviços da internet. Os protestos se concentravam até ontem em Benghazi, mas no fim da noite surgiram rumores de tiroteios na capital, Trípoli. Milhares de pessoas saíram às ruas nas duas cidades para pedir a saída de Kadafi, apesar da forte repressão. Pela internet, os manifestantes divulgam vídeos dos mortos e dos confrontos com a polícia. Testemunhas relataram que o governo está usando ¿mercenários africanos¿ para conter a multidão. Os opositores se defendem com pedras e coquetéis molotov.

Em um pronunciamento de quase 40 minutos, o filho de Kadafi afirmou que o Exército e a polícia apenas ¿se defendiam¿ dos manifestantes. Com tom desafiador, Saif El-Islam disse à população que existiriam apenas duas opções: o governo de Kadafi ou o caos. Para melhorar a situação, ele prometeu abrir um diálogo para ¿screver u ma nova Constituição, um novo hino e uma nova bandeira¿.

¿Bêbados e drogados¿ O filho de Kadafi afirmou que os meios de comunicação internacionais ¿exageraram¿ em seus relatos sobre os acontecimentos na Líbia. ¿O número de 200 mortos é algo inventado¿, declarou. Saif El-Islam admitiu que o Exército ¿cometeu erros¿, chegou a lamentar as mortes, mas afirmou que entre os manifestantes havia ¿bêbados e drogados¿. No fim da noite, surgiram rumores de que o presidente teria fugido do país em direção para Venezuela ¿ o que foi desmentido tanto em Trípoli quanto em Caracas. ¿Muamar Kadafi está em Trípoli e comanda a batalha. Todos estamos com ele e vamos defender a unidade da Líbia até a última gota de sangue¿, afirmou o herdeiro do presidente.

O governo americano declarou que investiga informações sobre o número de mortos e feridos na Líbia e repudiou a violência contra os manifestantes. Em um comunicado, o Departamento de Estado afirmou que os EUA estão ¿preocupados com as informações alarmantes¿ sobre o país árabe. ¿Estamos investigando para confirmar os dados, mas recebemos informações confiáveis que dão conta de centenas de pessoas mortas ou feridas nesses dias de distúrbios, e ainda não se conhece o número exato devido à falta de acesso da imprensa internacional e de organizações humanitárias¿, disse o porta-voz da diplomacia americana, Philip Crowley.

A União Europeia também condenou a repressão aos protestos na Líbia. A chefe da diplomacia europeia, Catherine Ashton, declarou que é ¿importante que se ponha fim à violência¿ e que seja considerada alguma forma de diálogo entre o regime e os opositores. Em resposta, o governo líbio ameaçou suspender a cooperação no combate à imigração ilegal caso o bloco continue a ¿incentivar¿ os protestos sociais. O embaixador da Líbia na Liga Árabe, Abdel Moneim Al-Honi, decidiu deixar o cargo para ¿aderir à revolução¿, porque não queria fazer parte de ¿um regime que mata inocentes¿. Mais de 250 tunisianos que trabalhavam na Líbia resolveram voltar para o seu país. O governo da Áustria enviou aviões militares para Malta para retirar os cidadãos que vivem em território líbio.

Itamaraty tenta tirar brasileiros Mais de 500 brasileiros que vivem na Líbia acompanham com apreensão às manifestações que acontecem no país há quase uma semana. Cerca de 90% deles trabalham para quatro grandes empresas: Queiroz Galvão, Andrade Gutierrez, Odebrecht e Petrobras. O embaixador do Brasil em Trípoli, George Ney de Souza Fernandes, viajou no sábado para a cidade de Bengazhi, que concentra o maior risco e a maioria dos protestos violentos, para conversar com os 123 brasileiros que vivem lá. Para fugir da revolta, um avião deve levar hoje grande parte da comunidade para a capital do país, onde a situação era mais calma até a noite de ontem.

De acordo com o Itamaraty, o fretamento da aeronave foi organizado pela construtora Queiroz Galvão. O embaixador passou o domingo em negociações com o governo líbio para conseguir autorização para o voo, que deve levar todos os que quiserem deixar Benghazi. Por enquanto, não há planos para retirar os brasileiros do país. Grande parte da comunidade está concentrada em Trípoli e tem seguido a orientação da embaixada, para que evitem os bairros onde têm ocorrido protestos. (TS)