Título: Conta das térmicas chega a R$ 1 bi e vai pressionar tarifas
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 06/06/2008, Brasil, p. A3

A magnitude das reservas de petróleo descobertas recentemente obriga o Brasil a adequar seu padrão de "royalties" e planejar uma maneira de preservar essa riqueza às gerações futuras. O alerta foi dado ontem pelo presidente do BNDES, Luciano Coutinho, ao participar da reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), no Palácio do Planalto. "O patrimônio nacional mudou. Não é possível dilapidar essa riqueza com royalties mal calibrados", disse.

Coutinho defendeu a criação de um fundo "intergeracional" com base nos ganhos do petróleo. Ele explicou que alguns países que têm alguma riqueza natural muito importante e duradoura desenharam fundos que transmitem esse patrimônio e beneficiam gerações futuras. Citando o exemplo da Noruega, o presidente do BNDES esclareceu que não se trata de um fundo soberano.

Além de usar os recursos naturais para a geração presente, por meio de repartição ou taxação, o Estado poderá usar parte desses recursos para investir em infra-estrutura e outras prioridades. Em alguns países, esse fundo financia parte das despesas previdenciárias. "Dado o tamanho potencial dessa reserva de petróleo no pré-sal, devemos refletir sobre como usar esses recursos e não olhar apenas para a geração presente. É uma consideração ainda muito preliminar", disse Coutinho.

O presidente da Petrobras, José Sergio Gabrielli, também participou da reunião de ontem do CDES e avisou que não basta encontrar petróleo, apesar de esse ser o melhor desfecho para a arriscada atividade que exige altos investimentos de seis a oito anos antes da descoberta. Ele defendeu que a política de petróleo e gás seja direcionada para a exportação de derivados com maior valor agregado que o óleo bruto e que também é preciso aumentar o conteúdo nacional dessa indústria. Os "royalties" pagos à União, Estados e municípios variam, segundo a Petrobras, de 5% a 10% do valor envolvido.

Referindo-se ao perigo que a riqueza do petróleo pode proporcionar a um país, Gabrielli repetiu uma expressão que ouviu recentemente do senador Gerson Camata (PMDB-ES): "O petróleo é o mijo do diabo." Ele explicou que isso significa a enorme dificuldade de industrialização em países que não conseguem administrar a renda que o produto proporciona. Sem estratégia, os custos internos de produção ficam muito elevados.

Gabrielli , porém, prevê que o balanço de pagamentos do setor será superavitário, o que vai colaborar na "apreciação do real". Segundo a Petrobras, o país já consumiu, até dezembro de 2007, 11,5 bilhões de barris e ainda tem reservas de 13,92 bilhões de barris, sem contar com a província da camada de pré-sal. Nessa enorme área, apenas o poço de Tupi tem potencial entre 5 e 8 bilhões de barris.

Entre 2002 e 2007, a média de produção de óleo e gás natural da Petrobras, no Brasil, saltou 116% na comparação com a média dos anos 1993-1998. Como o cenário atual é totalmente diferente dos anos 90, Gabrielli voltou a defender uma mudança na lei que regula o setor e, na sua avaliação, premia unicamente o investidor que assume o risco da prospecção. "Em 1998, o barril valia US$ 9. Agora, já passou de US$ 120. De cada três barris produzidos, dois vão para o governo", comentou.

Para Coutinho, os recentes aumentos na taxa de juros não devem deprimir os investimentos, mas é fundamental manter baixas as expectativas de inflação. Ele comentou que a demanda pela linha Finame tem se mantido muito forte e cresceu, no mês passado, algo entre 30% e 35%. Na semana passada, o banco já tinha divulgado que suas liberações alcançaram R$ 76,3 bilhões entre maio de 2007 e abril de 2008, o que significa crescimento de 35% em relação ao período anterior.

"Até o momento, ao contrário do que todos esperavam, as decisões de investimento e a demanda por financiamentos para aquisição de máquinas tem se mantido muito firme. É um crescimento muito forte na venda de bens de capital", comentou. Na sua avaliação, isso é resultado da confiança empresarial no futuro do Brasil, mas para manter esse sentimento, alertou que é preciso ter certeza de que, a longo prazo, a inflação estará sob controle.

Ele ponderou que o país não pode pôr em risco um fundamento muito importante que é a confiança na estabilidade a médio e longo prazos. Nessa argumentação, reconheceu que é fundamental ter um Banco Central com credibilidade e capacidade para manter as expectativas de inflação sob controle porque elas "cimentam" a confiança. "Não creio que o atual ciclo de subida de juros possa desarmar o ciclo de investimento produtivo da economia, tal como ocorreu em 2004 para 2005", ponderou.

Na opinião do presidente do BNDES, há uma pressão inflacionária que é preocupante, o que exige o controle das expectativas pelo Banco Central. "Às vezes, é preciso sacrificar o curto prazo para garantir a confiança no longo prazo. Essa confiança se garante com a realização do investimento. Vejo essas coisas muito integradas", avaliou.

Para Coutinho, o atual momento permite que o investimento produtivo seja mantido firme e o país vai superar as pressões inflacionárias. "Vamos elevar o potencial do produto para perto de 5%. Para isso, é preciso subir a participação do investimento no PIB de 17,5% para 21%."